A continuação temporária de Júlio Magalhães no Jornal das 8, agora como colaborador, é uma prova do peso que Marcelo Rebelo de Sousa tem na TVI e, aliás, na TV portuguesa em geral. Mas a conjuntura não é favorável ao professor – e a demissão de Magalhães, assim como o término do seu actual contrato com Queluz, são apenas parte do problema. Marcelo é líder incontestado entre os comentadores, mas talvez não seja um comentador para um tempo de crise. Os seus comentários são espirituosos e divertidos, sim. Só que também são redondos e fundamentalmente lúdicos. Na verdade, só são “especializados” quando se trata do jogo político puro e duro. Ora, em regra, isso é uma virtude, sobretudo tendo em conta o perfil da TV em sinal aberto. Chegamos, porém, a um momento em que a recessão não é apenas uma coisa dos telejornais, mas uma realidade comprovável na vida das famílias, incluindo menos trabalho e menos rendimento, mais impostos e mais desespero. A partir daqui, pois, não serão o espírito e a retórica a fazer a diferença: serão a assertividade e as soluções concretas. E Marcelo Rebelo de Sousa sempre foi melhor a problematizar do que a resolver. Para além de tudo, o calendário eleitoral começa a impor-se. Se o antigo presidente do PSD efectivamente acalenta alguma ambição de chegar à Presidência da República, em algum momento terá de sair de cena, de forma a readquirir o consenso que apenas a obscuridade permite. Tendo em conta que as eleições são em 2015, o ideal seria talvez desaparecer em 2013. Mas Maio, data em que termina o actual contrato com a TVI, também pode ser uma boa solução.
CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 6 de Janeiro de 2012
Sabiam que as câmaras estavam presentes, sim. Imaginavam que, lá em casa, pelo menos algumas pessoas seguiriam as suas tontices. Mas não podiam supor que o programa houvesse entretanto tomado de assalto a actualidade – e, quando se punham aos abraços ou aos pontapés, aos beijos ou aos coitos silenciosos sob os edredões, faziam-no porque as suas emoções os impeliam a isso, não porque percebessem o alcance (e sobretudo as vantagens estratégicas) desses gestos.
Recuperar o Big Brother, por esta altura, tem seguramente alguma coisa de vintage. Para o bem e para o mal (sobretudo para o mal), aquele foi, provavelmente, o mais importante programa da televisão nos últimos vinte ou trinta anos – uma revolução que mudou quase tudo e que ainda hoje produz significativos efeitos. Mas recuperá-lo com novas personagens, sobretudo sabendo essas personagens o que puderam perceber entretanto, será como ouvir música dos anos 80 feita nos dias de hoje.
Soará a falso, o novo Big Brother da TVI (e chame-se ele Big Brother, Secret Story ou o que seja). Como objecto de estudo sociológico, valerá pouco mais do que zero. E, ao mesmo tempo, será muito mais inofensivo.
CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 15 de Agosto de 2010
Dirão muitos que esta morte em público “ajudou a consciencializar-nos” quanto ao cancro no pâncreas. Mentira. Se de alguma coisa sempre estivemos conscientes, foi da existência do cancro – e, quanto ao cancro pancretárico propriamente dito, ficámos todos na mesma, ignorantes ainda quanto a causas e sintomas (embora talvez mais cientes de que mata quase sempre). Dirão outros que, se António Feio viveu a sua doença em público, foi porque quis. Concedo: ele qui-lo. Mas não quis tudo o que aconteceu – e, aliás, mesmo querendo, várias coisas não deviam ter chegado sequer a ser-lhe propostas.
Ao longo de um ano e meio, António Feio foi entrevistado, condecorado e até ouvido para um trailer cinematográfico inédito. Mas também foi convidado para programas tontos, questionado sobre como se sentiu perante a morte de Patrick Swayze e usado para quase tudo o que foi dossier e caixinha sobre “famosos aflitos”. Aceitou quase sempre, suponho, porque estava desesperado, o que é o mais humano de tudo. Já nós, profissionais dos media, fomos oportunistas, mesmo obscenos – e devíamos todos ter vergonha de ter feito dele uma mascote.
CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 31 de Julho de 2010