Mourinho conseguiu uma vitória enorme, Villas-Boas uma das grandes também. Foi uma semana em cheio para aqueles que um dia recordaremos como os dois maiores treinadores portugueses de sempre. Para nós, sportinguistas, é como se o fracasso continuasse a desfilar-nos à frente. Se desistir de Mourinho (obrigado, Juve Leo) marca o momento em que o Sporting decide deixar de ser grande, falhar a contratação de Villas-Boas (obrigado, Jorge Mendes) marca aquele em que o Sporting perde a oportunidade de voltar a tentar sê-lo.
E, no entanto, eu já não sei se Villas-Boas é de facto o segundo Mourinho, ou se Mourinho é que foi o primeiro Villas-Boas. Mourinho é um génio, mas Villas-Boas parece tocado pela graça divina. Mourinho joga um futebol de contenção, à procura da eficácia, Villas-Boas um futebol positivo, à procura da beleza (mas, ainda assim, eficaz). Onde Mourinho é agressivo e mesquinho, Villas-Boas é elegante e educado. Confrontados com uma pergunta difícil, Mourinho lança perdigotos e Villas-Boas articula ideias. É bem falante, Villas-Boas – ou estou errado?
Se Mourinho é Napoleão, Villas Boas é George Washington. Um é um cilindro compressor, o outro um Dona Elvira, belo e até um tanto dandy. Há entre Mourinho e Villas-Boas diferenças semelhantes às que separam a formiga da cigarra, com a ressalva de que, aqui, em ambos os casos o trabalho aparece feito (e bem feito). Parafraseando Arnaldo Jabor: Mourinho é sexo, Villas-Boas é poesia. Mourinho é o Special One? Então Villas-Boas não é o Special Two, não senhor: é o Really Special One. Ou talvez seja. O tempo não nos deixará na dúvida.
No fundo, o que parece é que Villas-Boas não tem de fazer um esforço tão grande. Ele dispõe da aura dos homens bem nascidos, muito mais do que do lastro das fortunas de oportunidade. É duro, mas ainda assim amável. É veemente, mas nunca truculento – e, aliás, nem sequer precisou de criar um estilo: uma gravata assenta-lhe bem. Ao pé de Villas-Boas, Mourinho parece Octávio Machado, rosnando. Demasiado datada, a analogia com Napoleão e Washington? Então cá vai: onde Mourinho é Putin, rabino e de dentes cerrados, Villas-Boas é Tony Blair, enorme e de sorriso aberto.
O FC Porto de Villas-Boas é mais forte do que o de Mourinho, e Villas-Boas tem extraído o melhor dele. O problema é que o Real Madrid de Mourinho é mais fraco do que o de Carlos Queiroz – e, ainda assim, parece uma equipa destinada a um lugar na história. Não me admiraria se Mourinho proferisse agora a frase: “Para o ano, tenho a certeza de que seremos campeões” – e depois efectivamente o fosse, apesar da Távola Redonda de Guardiola. Já Villas-Boas não dirá nada disso – e para o ano, de certeza, será campeão outra vez.
Para nós, na verdade, qualquer um servia e era um milagre. Tornámo-nos tão pequenos.
CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo").
Jornal de Notícias, 22 de Abril de 2011
(imagem: © www.desporto.pt.msn.com)
Qualquer decisão que retire espaço a Costinha na gestão do plantel profissional do Sporting é uma boa decisão. Desde que chegou a Alvalade, Costinha não fez outra coisa senão pavonear fatos de mau gosto, procurar novos horizontes para a sua autoridade e, basicamente, ajudar a destruir o pouco que ainda havia (se havia) de qualidade futebolística. Nesse sentido, a contratação de José Couceiro para o cargo de director-geral do clube é, em princípio, uma boa notícia.
E, porém, é preciso confirmar duas coisas. A primeira é se a contratação de José Couceiro efectivamente retirará espaço a Costinha na gestão do plantel ou se, pelo contrário, remeterá o director-geral a uma função eminentemente burocrática e de “representação”, oferendo ao director de Futebol mais liberdade (e mais inimputabilidade) ainda. A segunda é se, contratando um director-geral (ainda por cima com o perfil de Couceiro), fará sentido continuar a ter um director de Futebol (ainda por cima com o perfil de Costinha) ou se, pelo contrário, a coexistência das duas figuras não é apenas uma forma de tentar emendar um pouco a mão, mas no essencial manter a face.
Seja como for, estou convencido de que José Couceiro se meteu naquilo a que se chama uma bela encrenca. Claramente, o actual status quo sportinguista não durará muito. O descontentamento está demasiado generalizado, os resultados são demasiado maus e qualquer operação de cosmética (que é o que, para José Eduardo Bettencourt, a contratação de Couceiro significa) é demasiado óbvia. Mais cedo ou mais tarde, e se de facto ainda restarem sportinguistas (se de facto ainda restar sportinguismo, isto é), esta estrutura dará lugar a outra.
Ora, se José Couceiro não o percebeu ainda, não está cá a fazer nada. Por outro lado, se o percebeu e decidiu investir no futuro, no do clube ou no seu próprio, posicionando-se para vir a garantir uma situação melhor (para o clube ou para si próprio, ou mesmo para os dois ao mesmo tempo), tem pela frente uma missão verdadeiramente ciclópica. À sua volta, reina a incompetência, o autismo, a prepotência – e sobreviver em meio de tal hostilidade pode, a muito curto prazo, revelar-se uma tarefa demasiado exigente para qualquer ser humano.
Temo que ainda não tenhamos chegado tão fundo quanto poderemos chegar. E que nem a presença, no coração da estrutura, de uma figura tão consensual como José Couceiro poderá evitar que continuemos a descer. Mas eu sou um pessimista, claro. Nada daquilo que há anos venho prevendo aqui se concretizou, pois não?
CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo").
Jornal de Notícias, 24 de Dezembro de 2010
(imagem: © www.sportydesktops.com)
Qualquer decisão que retire espaço a Costinha na gestão do plantel profissional do Sporting é uma boa decisão. Desde que chegou a Alvalade, Costinha não fez outra coisa senão pavonear fatos de mau gosto, procurar novos horizontes para a sua autoridade e, basicamente, ajudar a destruir o pouco que ainda havia (se havia) de qualidade futebolística. Nesse sentido, a contratação de José Couceiro para o cargo de director-geral do clube é, em princípio, uma boa notícia.
E, porém, é preciso confirmar duas coisas. A primeira é se a contratação de José Couceiro efectivamente retirará espaço a Costinha na gestão do plantel ou se, pelo contrário, remeterá o director-geral a uma função eminentemente burocrática e de “representação”, oferendo ao director de Futebol mais liberdade (e mais inimputabilidade) ainda. A segunda é se, contratando um director-geral (ainda por cima com o perfil de Couceiro), fará sentido continuar a ter um director de Futebol (ainda por cima com o perfil de Costinha) ou se, pelo contrário, a coexistência das duas figuras não é apenas uma forma de tentar emendar um pouco a mão, mas no essencial manter a face.
Seja como for, estou convencido de que José Couceiro se meteu naquilo a que se chama uma bela encrenca. Claramente, o actual status quo sportinguista não durará muito. O descontentamento está demasiado generalizado, os resultados são demasiado maus e qualquer operação de cosmética (que é o que, para José Eduardo Bettencourt, a contratação de Couceiro significa) é demasiado óbvia. Mais cedo ou mais tarde, e se de facto ainda restarem sportinguistas (se de facto ainda restar sportinguismo, isto é), esta estrutura dará lugar a outra.
Ora, se José Couceiro não o percebeu ainda, não está cá a fazer nada. Por outro lado, se o percebeu e decidiu investir no futuro, no do clube ou no seu próprio, posicionando-se para vir a garantir uma situação melhor (para o clube ou para si próprio, ou mesmo para os dois ao mesmo tempo), tem pela frente uma missão verdadeiramente ciclópica. À sua volta, reina a incompetência, o autismo, a prepotência – e sobreviver em meio de tal hostilidade pode, a muito curto prazo, revelar-se uma tarefa demasiado exigente para qualquer ser humano.
Temo que ainda não tenhamos chegado tão fundo quanto poderemos chegar. E que nem a presença, no coração da estrutura, de uma figura tão consensual como José Couceiro poderá evitar que continuemos a descer. Mas eu sou um pessimista, claro. Nada daquilo que há anos venho prevendo aqui se concretizou, pois não?
CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo").
Jornal de Notícias, 24 de Dezembro de 2010
(imagem: © www.sportydesktops.com)