A snobeira, já aqui o disse, é coisa de pobre – e esta que se exerce a pretexto de uma coisa como uma bica é, naturalmente, a dos mais pobres de todos. Acontece que a snobeira, em certas sociedades (e seguramente nesta em que passo grande parte do meu ano: a de uma grande cidade portuguesa, incluindo os seus pobres), pode ser uma ferramenta de enorme utilidade. Em Lisboa, pelo menos, é assim: uma pessoa pode ser modesta, ignorante e frágil, mas se puser um ar de superioridade ganha logo ascendente na relação com a pessoa em frente. Os pobres gostam de ser snobes porque também eles respeitam mais os snobes. Vêem um pobre igual a eles, mas exacerbando maneirismos, e logo pensam de si para si: “Este tipo, afinal, é selecto.” Os pobres aprendem depressa a palavra “selecto”. É outra das suas ferramentas para serem selectos. Ou snobes.
No fundo, o que estou para aqui a dizer não passa de uma variação do velho clássico da sabedoria popular: “Quanto mais um tipo se abaixa, mais se lhe vê o rabo” (acho que é assim). Os pobres, na ausência de outra sabedoria, estão cheios de sabedoria popular. E negoceiam a bica assim. E pedem o livro de reclamações aos gritos, embora depois raramente tenham retórica (ou sequer paciência) para o preencherem. E destratam o tipo que segue cheirando a álcool no autocarro, embora ele não esteja a fazer mal a ninguém. E deixam com as pontinhas dos dedos uma moeda de vinte cêntimos no boné do cego que toca concertina na rua. E falam ao telemóvel demoradamente e olhando em volta, para que todos se dêem conta de como são tão importantes que até acontece alguém, do outro lado, dignar-se a gastar um euro e meio de chamada só para ouvi-los durante aquele tempo todo.
Os pobres são sombrios e desinteressantes e maus e egoístas. Não perdem a oportunidade de colocar a pata em cima do pescoço do pobre ao lado – e, embora barafustando, o pobre ao lado acaba por respeitá-lo por isso. É triste ser pobre.
E, todavia, o que é teatro nos pobres é vida em surdina nos ricos. Todos os dias os vejo, nas praias finas e nos restaurantes da moda e à porta do cinema. Tratando os filhos por você, sim. Mas, sobretudo, falando muito alto. Dando instruções aos filhos muito alto. Fazendo perguntas sobre a ementa muito alto. Comentando o filme muito alto – e em nenhum momento pretendendo, com isso, que os outros percebam como verdadeiramente se exerce a autoridade sobre uma criança, que os outros encaixem que nem toda a gente vai ali para dividir uma calzone ou que os outros decifrem a intriga do filme.
O outros simplesmente não estão lá. Ninguém mais está lá. É como se o mundo fosse apenas do tamanho de uma cabina telefónica – e em nenhum momento, naturalmente, ali se colocam as angústias da aceitação, do respeito ou da admiração do outro (que, repito, simplesmente não existe). É o triunfo da falta de curiosidade – e isso é bem mais deprimente e bem mais sombrio do que a snobeira dos pobres. Não há nada mais triste do que a falta de curiosidade. Nem mais pobre. Nem mais cómico. Aliás: das poucas coisas que me divertem mais do que assistir a um português negociando a bica que, em momento de qualidade de vida, bebe depois do almoço, uma delas é ficar a ouvir o monólogo ensurdecedor dos ricos à porta do cinema.