Sábado, 25 de Setembro de 2010
publicado por JN em 25/9/10



Falamos do fim dos jornais como se ele fosse uma inevitabilidade – e o mais provável é que o seja. Todas as semanas um jornal importante deixa de imprimir-se. Um dos últimos foi o Jornal do Brasil, instituição a caminho do 120º aniversário – e um dos próximos há-de ser o New York Times, cuja direcção já estuda o momento em que usará a frase que todos quisemos um dia usar (embora noutras circunstâncias): “Parem as máquinas!” Os que estão financeiramente mais sólidos acantonam-se no suporte virtual. Os que estão mais aflitos simplesmente fecham. E mesmo aquela expressão, “financeiramente mais sólidos”, deveria vir entre aspas. No essencial, está tudo aflito – é questão de perceber em que grau de aflição se encontra cada um.


Olhamos para o exemplo da televisão e facilmente o percebemos: talvez tivesse havido uma oportunidade para nós também. Colocada perante um dilema de origem semelhante, a TV soube reconverter-se. Percebeu que só a sua dimensão lúdica poderia salvá-la – e, a certa altura, investiu de tal maneira nessa dimensão, monitorizando com tal cuidado as respostas do público, que foi a própria world wide web (para que é que eu estou com coisas: a Internet) quem se sentiu na obrigação de vir ao seu encontro, presenteando-a com as mais mirabolantes propostas para potenciar o crescimento.


Com os jornais, nada disso aconteceu. É claro que eles tinham, desde o início, a marcha dos tempos em seu desfavor: ver TV é mais fácil do que ler um jornal – e aquilo que o homem do século XXI procura, aparentemente, é a facilidade. A verdade, porém, é que não souberam antecipar-se. Apostaram todos em sites, mas nenhum deles com uma decente articulação entre suportes. Nem as melhores soluções entretanto testadas evitaram a marginalização. Hoje, toda a gente o sabe já: os jornais impressos são um modelo de negócio datado – e as propostas que a senhora dona Internet lhes apresenta já nem são para potenciar-lhes o êxito, mas para proporcionar-lhes a sobrevivência, o que diz bem da sua subalternidade.


Problema suplementar: ninguém percebeu ainda como será possível recuperar os leitores para o mundo virtual continuando, mesmo assim, a pagar a renda. Ao longo de 15 anos, tentámos de tudo: sites grátis e sites a pagar, newsletters e widgets, aplicações especiais e de novo sites grátis. Nada. Nas soluções gratuitas, falhou a publicidade. Nas soluções oneradas, falharam os assinantes. Fracassou tudo, basicamente – e, se agora nos enchemos de esperanças no iPad e no Kindle, é mais por não nos podermos dar ao luxo de não nos enchermos delas do que por qualquer outra coisa. O mais provável é que usar a expressão “futuro dos jornais” seja já um paradoxo.


O perfil do leitor mudou – e todos nós, leitores, contribuímos para isso. Hoje em dia, já nem sequer há leitores. Eu não sou um leitor: sou, quando muito, um respigador. Às vezes estou a comentar uma notícia com um amigo, e logo ele me pergunta: “Onde leste isso?” Raramente sei responder. Tenho o computador e o telemóvel e a televisão ligados em permanência, com o Google Reader a sufocar-me de headlines e o FaceBook a fuzilar-me de fait-divers e os canais noticiosos a cercarem-me de breaking news – simplesmente já não sei, a não ser que tenha um jornal na mão, de onde vem e para onde vai cada coisa.


Porque mesmo eu, que há uma mão-cheia de anos vivo da medição das importâncias, do estabelecimento de prioridades e da pesagem de prós e de contras, continuo a precisar de alguém que me garanta uma equação hermética de mundo – e, na inexistência dela, já vou, atarantado perante os links dos links dos links, perdendo curiosidade. Eis, pois, a suprema tragédia disto tudo: a morte da curiosidade. Quanto ao resto, não me preocupo: sei assentar um tijolo, sei conduzir um táxi, sei disparar uma caçadeira – e, aliás, tenho aqui, do outro lado da janela desta casa açoriana de onde às vezes vos escrevo, um cerradinho há demasiados anos em pousio, ansioso por que eu lhe crave o alvião e o encha de batatas greladas. À fome não morrerei. Talvez morra estúpido. E morrerei de certeza bisonho.


CRÓNICA ("Muito Bons Somos Nós"). NS', 25 de Setembro de 2010

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2 comentários:
De Manuel da Silva Carvalho a 26 de Setembro de 2010 às 00:03
A lenta declinação da indústria dos jornais é uma tendência mundial, talvez com algumas excepções em países de grande população como a China ou a Índia. Talvez o grande erro que cometeram os jornais dos Estados Unidos, da América Latina ou da própria Europa em resposta ao novo contexto é o de tratá-los como um desafio financeiro e tecnológico em vez de um fenómeno cultural. A resposta de alguns jornais durante as últimas décadas consistiu principalmente em duas coisas: a reestruturação de suas finanças e o fornecimento de versões online de seus produtos impressos.
A mudança cultural que se está a assistir a respeito da informação equivale a uma descentralização do poder de decisão. A tecnologia ajudou a acelerar esta mudança, como ajudou a acelerar o trânsito desde a sociedade agrícola à industrial ou desde a sociedade industrial à dos serviços. Mas a tecnologia é somente um meio.
Estou convencido que Jornais e internet vão conviver por um longo tempo, apesar das inúmeras afirmações de que a difusão do jornalismo online acabará com os veículos impressos. Como assinala o cronista temos, de momento, entre outros, dois jornais com fins anunciados. o Jornal do Brasil, com os seus 119 anos encerrou no passado dia 31 de Agosto, mas mantém a sua versão digital. O New York Times também já tem os dias contados.
Mas mantenha-se calmo e descontraído que não lhe faltará jornais ou revistas para escrever as suas crónicas e/ou, simultaneamente, semear umas batatas na sua Terra Chã.
De jorge espinha a 27 de Setembro de 2010 às 14:15
caro Joel

Não creio que a imprensa escrita se possa inspirar na televisão, tal como disse a TV é mais fácil de ver. Por outro lado o Suporte onde a TV prospera , o cabo, é pago e a internet não ( ou pelo menos o dinheiro que movimenta não é beneficia os jornais).
A imprensa desempenha, ou desempenhava, um papel importantíssimo nas democracias, um papel de vigilante, não há substituto para o jornalismo de investigação. Ora o jornalismo de investigação é caro, e é moroso. A nossa actual cultura do gratuito não percebe isso, Não são opiniões que abalam regimes ou derrubam governos , opiniões toda a gente as tem, milhões de blogs na Internet não fazem muito em prol da qualidade democrática.
Os jornalistas de watergate , provaram que havia um comportamento infame por parte do governo de Nixon . Não foi uma questão opinativa.
Eu sou de a opinião que os cidadãos esclarecidos por este mundo fora têm a obrigação de apoiar financeiramente pelo menos um jornal , comprando-o todos os dias.
Por isto é que eu vejo com muita apreensão o ruir dum dos pilares da democracia

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Joel Neto


Joel Neto nasceu em Angra do Heroísmo, em 1974, e vive entre o coração de Lisboa e a freguesia rural da Terra Chã, na ilha Terceira. Publicou, entre outros, “O Terceiro Servo” (romance, 2000), “O Citroën Que Escrevia Novelas Mexicanas” (contos, 2002) e “Banda Sonora Para Um Regresso a Casa” (crónicas, 2011). Está traduzido em Inglaterra e na Polónia, editado no Brasil e representado em antologias em Espanha, Itália e Brasil, para além de Portugal. Jornalista de origem, trabalhou na imprensa, na televisão e na rádio, como repórter, editor, autor de conteúdos e apresentador. Hoje, dedica-se sobretudo à crónica e ao comentário, que desenvolve a par da escrita de ficção. O seu novo romance, “Os Sítios Sem Resposta”, sai em Abril de 2012, com chancela da Porto Editora. (saber mais)
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