Não sei se com o futebol é assim. Com a política, pelo menos, é: colocados perante um desafio, a primeira coisa que os partidos fazem é pôr os seus apparatchiks a telefonar para o Fórum TSF, para o Opinião Pública (SICN) e para o Antena Aberta (Antena 1) – e, no fim, aquilo que se pretendia um debate franco sobre o problema em causa redunda invariavelmente num jogo de forças entre o chorrilho de lugares-comuns a que o ouvinte anónimo recorre para vingar-se do mundo e o chorrilho de certezas absolutas que os apparatchiks têm sobre a bondade das propostas do seu partido. Basicamente, há sempre chorrilho – e há sempre propaganda.
De maneira que eu não sei quantos homens do aparelho bettencourtista andaram a escrever-me ao longo do último ano. Mas voltei aos arquivos do meu email, do meu site, do meu FaceBook e do meu Twitter à procura da expressão “não há dinheiro” (ou similar) e encontrei milhares delas: milhares de pessoas que se deram ao trabalho de ler estas crónicas, ligar o computador e elaborar um texto rebatendo-as com o argumento oficial de que o Sporting só não investia mais porque não podia. Pois eu acho que é altura de dizer-lhes que estavam enganadas. E não para que se reconheça que eu (e outros como eu) estava certo (estávamos certos), mas para que isto não se repita.
Por esta altura, e com apenas cinco campeonatos ganhos nos últimos 40 anos, já temos a palavra “fracasso” inscrita no ADN. Há muito que chegámos a uma encruzilhada – e há outro tanto que não sabemos como sair dela. Podíamos ter feito como o FC Porto fez a partir da chegada de Pinto da Costa, reorganizando-se, profissionalizando-se, investindo a preceito e persistindo na estratégia até que ela desse certo. E podíamos ter feito como fez o Atlético de Madrid, desenvolvendo um snobismo loser, chamando-se a si próprio “um clube de sofredores e derrotados”, mas nem por isso deixando de cultivar uma superioridade filosófica em relação aos rivais.
No fim, fizemos uma coisa muito mais portuguesa (e temo que, agora, muito mais sportinguista também): reorganizámo-nos mal, profissionalizámo-nos pior, investimos ainda pior – e, apesar de mil vezes termos mudado de estratégia, persistimos no discurso de que o Sporting está ao nível do FC Porto e do Benfica, sendo portanto um “crónico candidato ao título”. Não fomos carne nem fomos peixe – e, porque não fomos carne nem peixe, o sucesso vomitou-nos da sua boca. Pois devíamos ter vergonha do que fomos: ingénuos, crédulos, imprevidentes. E deveríamos estar conscientes de que, se ainda há algo a fazer pelo Sporting grande e temível do passado, é agora.
Havia dinheiro, afinal. Tanto dinheiro que, quanto a esta primeira parte dele, talvez a tenhamos mesmo investido mal – e tanto dinheiro que, não havendo no clube qualquer know how em matérias de investimento a sério, talvez ainda invistamos mal a próxima. E, no entanto, as tranches são fundamentais. A tranche de Dezembro/Janeiro está em aplicação. E a tranche do Verão terá de estar também, no seu devido tempo. Preparem-se estes dirigentes para dizer-nos, em Maio/Junho, que se gastou no Inverno todo o dinheiro que havia, e ter-me-ão à perna novamente. Na conversa do “não há dinheiro” já nós caímos vezes de mais. E, se não é o FC Porto o nosso modelo, então que nos digam claramente que é o Atlético de Madrid.
CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 1 de Janeiro de 2010