Sexta-feira, 1 de Janeiro de 2010
publicado por JN em 1/1/10

Não sei se com o futebol é assim. Com a política, pelo menos, é: colocados perante um desafio, a primeira coisa que os partidos fazem é pôr os seus apparatchiks a telefonar para o Fórum TSF, para o Opinião Pública (SICN) e para o Antena Aberta (Antena 1) – e, no fim, aquilo que se pretendia um debate franco sobre o problema em causa redunda invariavelmente num jogo de forças entre o chorrilho de lugares-comuns a que o ouvinte anónimo recorre para vingar-se do mundo e o chorrilho de certezas absolutas que os apparatchiks têm sobre a bondade das propostas do seu partido. Basicamente, há sempre chorrilho – e há sempre propaganda.


De maneira que eu não sei quantos homens do aparelho bettencourtista andaram a escrever-me ao longo do último ano. Mas voltei aos arquivos do meu email, do meu site, do meu FaceBook e do meu Twitter à procura da expressão “não há dinheiro” (ou similar) e encontrei milhares delas: milhares de pessoas que se deram ao trabalho de ler estas crónicas, ligar o computador e elaborar um texto rebatendo-as com o argumento oficial de que o Sporting só não investia mais porque não podia. Pois eu acho que é altura de dizer-lhes que estavam enganadas. E não para que se reconheça que eu (e outros como eu) estava certo (estávamos certos), mas para que isto não se repita.

Por esta altura, e com apenas cinco campeonatos ganhos nos últimos 40 anos, já temos a palavra “fracasso” inscrita no ADN. Há muito que chegámos a uma encruzilhada – e há outro tanto que não sabemos como sair dela. Podíamos ter feito como o FC Porto fez a partir da chegada de Pinto da Costa, reorganizando-se, profissionalizando-se, investindo a preceito e persistindo na estratégia até que ela desse certo. E podíamos ter feito como fez o Atlético de Madrid, desenvolvendo um snobismo loser, chamando-se a si próprio “um clube de sofredores e derrotados”, mas nem por isso deixando de cultivar uma superioridade filosófica em relação aos rivais.

No fim, fizemos uma coisa muito mais portuguesa (e temo que, agora, muito mais sportinguista também): reorganizámo-nos mal, profissionalizámo-nos pior, investimos ainda pior – e, apesar de mil vezes termos mudado de estratégia, persistimos no discurso de que o Sporting está ao nível do FC Porto e do Benfica, sendo portanto um “crónico candidato ao título”. Não fomos carne nem fomos peixe – e, porque não fomos carne nem peixe, o sucesso vomitou-nos da sua boca. Pois devíamos ter vergonha do que fomos: ingénuos, crédulos, imprevidentes. E deveríamos estar conscientes de que, se ainda há algo a fazer pelo Sporting grande e temível do passado, é agora.

Havia dinheiro, afinal. Tanto dinheiro que, quanto a esta primeira parte dele, talvez a tenhamos mesmo investido mal – e tanto dinheiro que, não havendo no clube qualquer know how em matérias de investimento a sério, talvez ainda invistamos mal a próxima. E, no entanto, as tranches são fundamentais. A tranche de Dezembro/Janeiro está em aplicação. E a tranche do Verão terá de estar também, no seu devido tempo. Preparem-se estes dirigentes para dizer-nos, em Maio/Junho, que se gastou no Inverno todo o dinheiro que havia, e ter-me-ão à perna novamente. Na conversa do “não há dinheiro” já nós caímos vezes de mais. E, se não é o FC Porto o nosso modelo, então que nos digam claramente que é o Atlético de Madrid.


CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 1 de Janeiro de 2010

3 comentários:
De Tite a 3 de Janeiro de 2010 às 14:26
Joel amigo,

Admiro-te: porque és do Sporting, és homem, és jornalista, percebes de futebol, e dizes o que eu digo aos meus amigos mas eles... arrumam-me com o argumento que sou mulher, não sou jornalista e não percebo nada de futebol.

Enfim... também acho que no nosso clube tem havido muito má gestão das finanças e dos seus recursos humanos. Só lamento que, depois de tanta gente que lá tem passado, não tenha havido um leão genial (tipo Pinto da Costa no Porto) que tenha colocado o clube nos trilhos que o deveriam e podiam ter guindado de novo aos píncaros da glória.

Isto acontece apenas porque os adeptos ficam satisfeitos com umas "tacinhas" e não podemos dizer mal do clube à frente de Águias ou Dragões, qual partido político, para não desfazer a imagem de um clube que tem só os melhores adeptos do mundo, tipo Atlético de Madrid.

Um abraço leonino de uma leoa inconformada

PS - será que este sistema de comentários tem possibilidade de fazer o seu follow up? Não consigo ver aonde.

De JN a 4 de Janeiro de 2010 às 01:48
Olá, Tite. Muito obrigado, como sempre.

Diga-me: recebe um email a notificá-la deste comentário?
De Tite a 4 de Janeiro de 2010 às 17:51
Olá Joel,

Só hoje recebi um mail de follow-up do meu comentário. Esta foi a primeira vez pois nunca recebi nenhum antes e já tenho comentado variadas vezes.

Será que eu fiz algo nesse sentido ou foi só por ter feito o Post Scriptum?

Obrigada pela resposta

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Joel Neto


Joel Neto nasceu em Angra do Heroísmo, em 1974, e vive entre o coração de Lisboa e a freguesia rural da Terra Chã, na ilha Terceira. Publicou, entre outros, “O Terceiro Servo” (romance, 2000), “O Citroën Que Escrevia Novelas Mexicanas” (contos, 2002) e “Banda Sonora Para Um Regresso a Casa” (crónicas, 2011). Está traduzido em Inglaterra e na Polónia, editado no Brasil e representado em antologias em Espanha, Itália e Brasil, para além de Portugal. Jornalista de origem, trabalhou na imprensa, na televisão e na rádio, como repórter, editor, autor de conteúdos e apresentador. Hoje, dedica-se sobretudo à crónica e ao comentário, que desenvolve a par da escrita de ficção. O seu novo romance, “Os Sítios Sem Resposta”, sai em Abril de 2012, com chancela da Porto Editora. (saber mais)
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