Sábado, 28 de Agosto de 2010
publicado por JN em 28/8/10

Estou naquela fase da vida em que se começa a ter amigos com filhos à porta da faculdade – e, inevitavelmente, vou-me solidarizando com as suas causas. Para alguns, o dinheiro até nem é problema; para outros, é um suplício. Não importa: de cada vez que vou jantar a casa de um deles, é inevitável que, em algum momento, o rebento pronuncie a palavra “Erasmus”. Independentemente do orçamento familiar e da cidade para onde vai ter de mudar-se, do grau de esforço que terá de empreender para conseguir acabar a licenciatura e mesmo das notas com que se candidata (e das quais resultará um lugar numa universidade pública ou um esforço suplementar dos pais para pagar o curso ao menino) – o facto é que o miúdo pode ainda não saber quase nada sobre o que o espera, mas de uma coisa já está certo: “tem” de “fazer” Erasmus. E eu, gelando por ele, gelo sobretudo pelos meus pobres amigos, que é sobre quem recairão os trabalhos quase todos.


Não me entendam mal: eu também fui mau aluno, eu também gastei mais dinheiro aos meus pobres pais do que aquele que eles podiam despender – e, aliás, tendo nascido na Terra Chã e filho de protestantes, numa espécie de bolha a que bem poderíamos chamar “uma ilha dentro de outra ilha dentro de outra ilha ainda”, também tive, de alguma forma, o meu próprio Erasmus, que foi Lisboa. Mais: quando vi “A Residência Espanhola”, aqui há uns anos, senti pena de não ter embarcado um dia para Barcelona, para Berlim, até para Cabul – e, no momento em que me dei conta das moças que a certa altura passaram a encher Lisboa à noite, tanto nos sábados de Verão como nas terças e nas quartas-feiras de Inverno, mais ainda lamentei a minha condição de menino-de-coro-que-um-dia-percebeu-que-andava-a-atirar-borda-fora-o-suor-dos-progenitores-e-foi-antes-vergar-a-mola-que-de-resto-é-a-única-coisa-que-alguma-vez-soube-fazer. De maneira que esta não é apenas mais uma crónica moralista, embora me custe agora violar essa tradição tão laboriosamente cultivada estes anos todos. É experiência mesmo. É observação. E, aliás, é estatística.


Três quartos dos miúdos que vejo regressar do famigerado Erasmus vêm deprimidos. A maior parte das vezes, trazem um sorriso nos lábios – e nem eles, nem os que os rodeiam percebem de imediato que vêm deprimidos. Caramba, eles conheceram um pedacinho do mundo, falaram outra língua, tomaram contacto com uma cultura diferente, beberam copos sempre que lhes apeteceu, seduziram gordinhas nas casas de banho de discotecas underground e, entretanto, não tiveram de corresponder a quase nada do ponto de vista académico: têm tudo para estarem felizes com a experiência, com a aprendizagem, com as memórias – deprimidos é que não hão-de estar, com certeza.


Problema: ao fim de seis meses, o resto do curso já não os seduz assim tanto. Se o curso já estava completo, então é a monografia que nunca mais chega. E, se a monografia já fora entregue, então são as cartas com os currículos que tardam em conhecer o aconchego do marco do correio. Bem vistas as coisas, eles não sabem ainda exactamente aquilo a que querem dedicar-se. Pensavam que queriam ser engenheiros, médicos, advogados, economistas, mas entretanto a sua vocação talvez seja outra – e, ainda por cima, o chamado mercado de trabalho, com os seus ordenados miseráveis, a sua precaridade e as suas promoções por tudo menos pelo mérito, parece-lhes agora uma autêntica palhaçada.



Tenho uma teoria sobre isto: em vez de regressarem e darem de caras com um paízinho triste e sem chama, eles perceberam que os outros países são tão tristes e tão sem chama como o nosso – e, de repente, olham em frente e concluem que o mundo é todo uma merda e que nem sequer emigrando se pode escapar a ela. Não sei: talvez seja outra coisa. Mas isso é o menos: o que importa é que estão deprimidos, que não fazem um esforço – e que, mais dia menos dia, vão usar a expressão “ano sabático”. E o meu grande conforto é que, não tendo filhos agora, na altura em que filho meu chegue à faculdade, já nem sequer haverá Europa, quanto mais Erasmus.


CRÓNICA ("Muito Bons Somos Nós"). NS', 28 de Agosto de 2010

tags:
Sexta-feira, 27 de Agosto de 2010
publicado por JN em 27/8/10



1.
Eu devia estar contente com Roberto. Depois de uma adolescência inteira a ouvir falar de Rodolfo Rodríguez, a quem Sousa Cintra (tonto como só ele) chamou um dia “o quinto melhor guarda-redes do mundo”, Roberto devia chegar para fazer-me sentir vingado. Afinal, a justiça, tardando, não falha mesmo. Mas o facto é que acabo por ter pena do rapaz. Até porque sei que tem talento.


Roberto, no Benfica, já não dará nunca guarda-redes a sério. Veio sujeito a demasiadas expectativas, fracassou de imediato e jamais conseguirá dar a volta à situação, neste ano ou em próximos. Não me surpreende que o Benfica, embora negando-o, o tenha colocado no mercado. Mas não me importava nada de trocar já Rui Patrício por ele, assim estivesse Luís Filipe Vieira disposto a incluir Saviola e Cardozo no pacote.


Agora, não deixo de achar a sua dispensa, mesmo que apenas do papel de titular, especialmente perigosa. E agora, quem culpará o Benfica pela sua falta de eficácia, pela sua instabilidade na defesa, pela sua insegurança no meio campo, pelo seu desnorte no ataque? Culpará a sorte, claro – e já aí estamos nós a ouvir que, “se aquela bola do Gaitán tivesse entrado”, outro galo cantaria. E culpará, inevitavelmente, os árbitros também – e já por aí anda que, com o árbitro do Sporting-Marítimo, o Benfica nunca teria perdido em casa com a Académica.


Isto vai ser um ano muito longo mesmo. Tenhamos paciência.


2. Escrevo crónicas sobre futebol há vinte anos e, para além do Benfica (que nunca perco a oportunidade de alfinetar, no que será a melhor homenagem que posso prestar-lhe), apenas granjeei dois inimigos: o Olhanense, depois de, um tanto irreflectidamente, ter chamado ao seu campo de jogos “um galinheiro”; e o Sp. Braga, após, de forma assumidamente provocadora, ter dito que não tinha adeptos. Eis-me aqui a dar a mão à palmatória. O Sp. de Braga não só tem adeptos como, esta semana, arranjou mais um: eu próprio, arsenalista, não desde pequenino, mas desde a idade da razão (o que talvez devesse ser o mais importante de tudo). Muitos parabéns – e viva o Braga!



3. Escrevo antes do Brondby-Sporting – e, naturalmente, arrisco-me. Paciência. Se o Sporting tiver passado a eliminatória, ter-me-ei rendido em definitivo a Paulo Sérgio. Se tiver falhado, então não terá feito nem mais, nem menos do que aquilo que se esperava – e, em todo o caso, eu continuarei a apoiar este treinador. Cometeu vários erros, Paulo Sérgio, nos dois primeiros jogos oficiais. Mas em ambos os casos teve também a sorte contra si. E, para além de tudo, continua a ser um “self-made man”. Enquanto houver “self-made men”, o mundo manter-se-á um lugar possível.


CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 27 de Agosto de 2010


Domingo, 22 de Agosto de 2010
publicado por JN em 22/8/10

É verdade. Daí a realização em Vilamoura, na próxima semana, de um evento único no mundo, a disputar à margem do incontornável torneio PokerStars EPT. Para ganhar o Fairways And Felts Challenge, aberto tanto a amadores como a profissionais, um participante terá de brilhar primeiro em 18 buracos de golfe e depois numa noitada de póquer. Em jogo estarão entre 50 e 75 mil euros. Mas a organização espera repetir a iniciativa – e, para futuras edições, já prevê prize pools bem superiores.

 

“Ambos os jogos exigem concentração intensa, auto-disciplina elevada, condição física forte e conhecimento profundo tanto da técnica como da de estratégia”, diz Kirsty Thompson, Business Development Manager do European Poker Tour. “Para além disso, tanto os jogadores de golfe como os jogadores de póquer apreciam a emoção da vitória (incluindo com uma pancada bem calculada ou um bluff na altura certa) e sofrem a agonia da derrota (incluindo com uma bola que morde o buraco ou com a única carta que te podia eliminar acabar por ser a última a sair). No fundo, os sentimentos competitivos são comuns.”

Resultado do raciocínio: o Fairways And Felts Challenge, um evento para já único no mundo e que se realiza na próxima semana (de 1 a 2 de Setembro), nas entrelinhas do PokerStars EPT Vilamoura, já reconhecido como o torneio de póquer com maior prize money existente em Portugal. Destinada em exclusivo a praticantes de ambas as modalidades, a competição deverá reunir uma prize pool algures entre os 50 e os 75 mil euros. Mas o PokerStars espera repetir o evento no futuro – e, para próximas edições, já prevê prémios monetários bem superiores.

“O European Poker Tour procura proporcionar aos seus jogadores uma oferta cada vez melhor e mais diversificada. E esta foi uma ideia que achámos interessante porque, para além de muitos jogadores de póquer jogarem golfe também, podemos envolver com ela a comunidade de golfe local”, explica Kirsty Thompson. “Temos grandes expectativas quanto a esta experiência. Esperamos que seja positiva e que, aliás, obtenha bastante atenção dos meios de comunicação social, permitindo também a Vilamoura evidenciar aquilo que a torna conhecida como um dos principais destinos de golfe da Europa.”

O evento, com um buy-in de € 1100 e aberto tanto a profissionais como a amadores, começa dia 1, com o segmento de golfe, marcado para o campo do Oceânico Pinhal. Através do mesmo programa informático habitualmente utilizado para distribuir os jogadores de póquer pelas mesas de jogo, a organização dividirá os participantes por equipas de quatro, que depois jogarão uma ronda de golfe (18 buracos) em formato Texas Scramble, com partida em shotgun e sem direito a handicaps (em gross, pois). A jornada encerrará com um jantar no Casino Solverde, com a distribuição dos prémios colectivos e individuais, incluindo scores e skills (Drive Mais Longo, Nearest To The Pin, Hole In One e afins).

No dia seguinte, falar-se-á apenas de póquer, mas o número de fichas com que cada jogador começará a jornada será definido em função dos seus resultados da véspera, incluindo score colectivo e skills individuais. A partir de então, as regras serão as clássicas do No Limit Texas Hold’em Freezout, acabando o torneio apenas quando restar um só jogador em jogo (e, portanto, na posse de todas as fichas). O prize money será depois dividido entre os primeiros da classificação, de acordo com a tabela de pagamentos habitualmente utilizada no Casino Solverde, anfitrião único desse segundo dia do evento.

Nunca, garante o European Poker Tour, alguém levou a cabo uma iniciativa do género. E JP Kelly, uma das novas estrelas do póquer europeu e mundial, foi logo um dos primeiros a inscrever-se, decidindo participar ao mesmo tempo no PokerStars EPT Vilamoura (onde defrontará, por exemplo, o português João “Jomané” Nunes) e no Fairways And Felts Challenge. O facto de não haver lugar a handicaps, garantindo-se com isso a competitividade do segmento de golfe, foi uma das armas para conquistar a sua atenção. Outra foi a qualidade dos campos de golfe de Vilamoura (ver caixa), nomeadamente o Oceânico Pinhal, que a organização preferiu ao Old Course em resultado de uma remodelação em curso nas últimas semanas, a qual o deixará, no final do mês, rigorosamente perfeito.

“Existe cada vez mais interesse no golfe a nível mundial – e os jogadores de póquer não são excepção. Estamos convictos de que esta experiência será muito comentada nos fóruns de discussão online, bem como entre os próprios jogadores”, prevê Kirsty Thompson. “De resto, orgulhamo-nos de patrocinar vários torneios de póquer por todo o mundo, incluindo Europa, Ásia e América Latina. Seleccionamos as localizações dos nossos torneios com base em vários factores – e um dos mais importantes são as possibilidades de essa região servir como ‘destino turístico memorável’. Embora seja verdade que muitos dos nossos jogadores são profissionais de póquer, aliás, também há muitos homens e mulheres ‘normais’ que participam nos nossos torneios durante as suas férias.”

A organização não prevê qualquer transmissão televisiva para o evento, que é realizado, para já, a título experimental. Mas espera repetir a experiência em simultâneo com outros torneios do European Poker Tour – e admite mesmo que o formato da competição possa ser corrigido, até aproveitando os inputs deixados pelos jogadores ao longo dos dois dias da competição da próxima semana. O PokerStars EPT Vilamoura, evento principal, é reconhecido como o torneio de póquer português com maior prize money. Na edição do ano passado, estiveram em jogo mais de um milhão e meio de euros. O empresário local António Matias foi o vencedor, encaixando um prémio superior a 400 mil euros.

 

A ESTRELA: JP Kelly, profissional “por acaso”

John Paul Kelly nasceu em Aylesbury, em Inglaterra, e começou a jogar póquer para se divertir. Fê-lo durante anos, na companhia de amigos e familiares – e nunca, até assistir pela primeira vez ao clássico programa de televisão “Late Night Poker”, da cadeia britânica Channel 4, o considerou mais do que um hobby. Até que se cruzou com esse universo de ousadia e vertigem que então começava a esboçar-se – e decidiu arriscar. Desde então, acumulou uma série de vitórias em torneios ao vivo – e, se os primeiros prémios monetários foram relativamente modestos, rapidamente os montantes começaram a crescer. Só durante o Verão de 2009, JP Kelly ganhou mais de 420 mil dólares em torneios da World Series Of Poker (WSOP). Por esta altura, e apesar dos seus escassos 24 anos, acumula já prémios monetários num valor total bem superior a um milhão de euros. E, embora tenha começado a jogar golfe há relativamente pouco tempo, não vem a Portugal apenas para passear. “O golfe é o antídoto perfeito para o stress que o póquer provoca” , diz. “Para além disso, Vilamoura tem alguns dos melhores campos de golfe do mundo, pelo que estou muito excitado com a perspectiva de ir lá jogar. Inclusive, estou a pensar ir mais cedo, na companhia de alguns amigos, para algumas rondas de treino”. Kelly vai participar tanto no PokerStars ETP Vilamoura como no Fairways And Felts Challenge.

 

A CHANCELA: PokerStars, simplesmente o maior

O PokerStars.com, principal organizador do Fairways And Felts Challenge, é o maior site de poker online, com mais de 36 milhões de membros em todo o mundo. Ao todo, tem já mais de 46 mil milhões de mãos jogadas, para um total de cerca de 280 milhões de torneios realizados. A empresa opera em todo o planeta com uma licença da Ilha de Man, mas entretanto já tem sucursais em Itália e em França, em ambos os casos com o beneplácito dos governos locais. Detentor dos recordes mundiais para o Maior Torneio de Poker Online e o Maior Número de Jogadores numa Sala de Poker Online, ambos reconhecidos pelo Livro Guiness dos Recordes, o PokerStars organiza, entre outros, o World Championship of Online Poker, o Spring Championship of Online Poker, o World Blogger Championship of Online Poker e a World Cup of Poker. Paralelamente, é patrocinador oficial dos circuitos European Poker Tour, North American Poker Tour, PokerStars Caribbean Adventure, Latin American Poker Tour e Asia Pacific Poker Tour.

FEATURE. J (O Jogo), 22 de Agosto de 2010

tags:
Joel Neto


Joel Neto nasceu em Angra do Heroísmo, em 1974, e vive entre o coração de Lisboa e a freguesia rural da Terra Chã, na ilha Terceira. Publicou, entre outros, “O Terceiro Servo” (romance, 2000), “O Citroën Que Escrevia Novelas Mexicanas” (contos, 2002) e “Banda Sonora Para Um Regresso a Casa” (crónicas, 2011). Está traduzido em Inglaterra e na Polónia, editado no Brasil e representado em antologias em Espanha, Itália e Brasil, para além de Portugal. Jornalista de origem, trabalhou na imprensa, na televisão e na rádio, como repórter, editor, autor de conteúdos e apresentador. Hoje, dedica-se sobretudo à crónica e ao comentário, que desenvolve a par da escrita de ficção. O seu novo romance, “Os Sítios Sem Resposta”, sai em Abril de 2012, com chancela da Porto Editora. (saber mais)
pesquisar neste blog
 
arquivos
livros de ficção

"Os Sítios Sem Resposta",
ROMANCE,
Porto Editora,
2012
Saber mais


"O Citroën Que Escrevia
Novelas Mexicanas",
CONTOS,
Editorial Presença,
2002
Saber mais
Comprar aqui


"O Terceiro Servo"
ROMANCE,
Editorial Presença,
2002
Saber mais
Comprar aqui
outros livros

Bíblia do Golfe
DIVULGAÇÃO,
Prime Books
2011
Saber mais
Comprar aqui


"Banda Sonora Para
Um Regresso a Casa
CRÓNICAS,
Porto Editora,
2011
Saber mais
Comprar aqui


"Crónica de Ouro
do Futebol Português",
OBRA COLECTIVA,
Círculo de Leitores,
2008
Saber mais
Comprar aqui


"Todos Nascemos Benfiquistas
(Mas Depois Alguns Crescem)",
CRÓNICAS,
Esfera dos Livros,
2007
Saber mais
Comprar aqui


"José Mourinho, O Vencedor",
BIOGRAFIA,
Publicações Dom Quixote,
2004
Saber mais
Comprar aqui


"Al-Jazeera, Meu Amor",
CRÓNICAS,
Editorial Prefácio
2003
Saber mais
Comprar aqui