Quarta-feira, 26 de Maio de 2010
publicado por JN em 26/5/10



Quem conhece minimamente os meandros do futebol, mesmo não tendo nunca disposto da oportunidade de cobrir uma grande competição internacional, sabe como é a proximidade entre os homens do futebol e os jornalistas da área. Mesmo no zénite da independência e da agressividade, ocorrido talvez ao longo da segunda metade dos anos 1990, os jornalistas desportivos, incluindo os da televisão, da rádio e mesmo dos jornais, fizeram sempre, no que dizia respeito aos grandes momentos, “parte da comitiva”.


Já tive, em relação a isso, uma posição muito mais radical do que tenho hoje. Hoje acho que, na verdade, é bom que assim seja – e, se me calha escutar um relato em que o narrador grita com a mesma ênfase os golos portugueses e os golos estrangeiros, já estranho. Como escreveu um dia o Estadão, “das coisas menos importantes do mundo, o futebol é a mais importante”. Por outro lado, permanece no grupo das menos importantes. É uma coisa lúdica, deve continuar a ser uma coisa lúdica – e muito mal vamos todos nós, como aliás nos mostra a experiência, quando deixa de ser uma coisa lúdica.


Os high-fives de Sousa Martins a Ronaldo e Coentrão já são outra coisa. Na segunda-feira, e mal terminou o Portugal-Cabo Verde, o jornalista da TVI recebeu os jogadores na flash interview com uma euforia e uma cumplicidade tão grandes que até a eles surpreendeu. Com isso não quis ser irónico (deixando claro que o futebol é uma coisa lúdica) nem quis ser subserviente (seduzindo os jogadores para um suposto privilégio à TVI nas entrevistas). Quis apenas deixar claro que a TVI também é parte da comitiva, parte da festa, representante de todos nós. E resultou ridículo.


CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 26 de Maio de 2010

Sábado, 22 de Maio de 2010
publicado por JN em 22/5/10



NESTA IDADE, JÁ FAÇO POUCO
daquilo a que verdadeiramente se chama “sair à noite”. Mas ainda saio às vezes à noitinha, para jantar ou ouvir música – e, sobretudo, acordo muitos sábados e muitos domingos de madrugada, em ajudando a meteorologia, para unir-me a outros peregrinos dessa filosofia masoquista que é o jogo do golfe. Ora, como vivo numa zona de diversão nocturna (desculpem a formulação, mas por esta altura já não espero livrar-me do epíteto de bota-de-elástico), acho que posso falar com um mínimo de propriedade. Pois o que me parece é que os mesmos pelintras que me obrigaram a passar a recolher mais cedo ainda lá estão, de resto cada vez em maior número – e, portanto, ainda é cedo para dar por findo o meu eremitério.



Metade do encanto da noite perdeu-se no dia em que os rapazes passaram a beber cerveja de litro e as raparigas a trazer na mão um vasilhame de Água de Luso com uma mistela escura lá dentro. Hoje, sair à noite simplesmente já não tem graça. Nós saíamos à noite porque procurávamos aventura, porque queríamos meter estilo, porque sonhávamos transcender a nossa condição. Os miúdos de hoje saem à noite porque não encontram nada melhor para fazer do que partilhar uns com os outros a sua depressão. Ao contrário de nós, que também éramos uns tesos, habituaram-se demasiado bem à pobreza – e aprenderam, inclusive, a fazer gala dela. Querem embebedar-se depressa e querem embebedar-se barato – e ainda a festa não está a meio e já andam todos, rapazes e raparigas (repito: raparigas), a vomitar, a urinar e mesmo a defecar (repito: a defecar) entre os carros estacionados na rua. Vão um sábado destes às travessas de São Pedro de Alcântara, agora que as noites quentes estão de volta, e verão.


Noutros tempos escrevi aqui, em honra de uma série de jovens interessantes que tive o privilégio de conhecer, verdadeiras odes aos miúdos e às miúdas na casa dos vinte anos. Corrijo. Muitos deles têm tudo menos um mínimo desejo de classe. Estão a afundar-se e não identificam outro prazer senão levar-nos com eles. Filmam-se a fazer sexo para postar na Internet e nem sequer a vertigem do pecado sentem. Sobretudo, não querem cá convenções, não querem cá aparências, não querem cá ambições. Deviam levar três palmadas e ser metidos na ordem. Hão-de comer-nos as papas na cabeça e meter-nos na ordem a nós. E eu, devendo talvez lamentá-lo por nós, lamento-o principalmente por eles.


 


DE RESTO, E NAS MINHAS PEREGRINAÇÕES madrugadoras, acabo quase sempre por não ter outra alternativa senão ir tomar o pequeno-almoço às pastelarias do Príncipe Real – e, então, o espectáculo é mais deprimente ainda. Ao cais da rissol de camarão vão chegando dos bares os navegantes, Dietrichs que não foram nem Marlenes – e, então, montam o seu espectaculozinho. Ali mesmo, tresandando a suor para cima da senhora que os serve com a mão trémula, morta de vergonha perante a sua obscenidade conspícua, namoram-se com palavrões, trocam-se promessas gráficas e enunciam com requintado pormenor cada uma das tropelias que vão fazer uns aos outros no sofá lá de casa, na cama, na bancada da cozinha. E tudo isto aos berros.


Todas as crónicas homofóbicas começam com a seguinte frase: “Eu até tenho amigos gays.” Pois eu não tenho. Já tive (num caso até lhe dediquei um livro), mas entretanto morreram os dois. De qualquer maneira, importa-me pouco que me chamem homofóbico. Os gays dos bares do Príncipe Real, a avaliar por aqueles com que tenho o desprazer de partilhar o balcão manhã cedo, são abjectos. Talvez haja um camionista labrego dentro de cada homem. Mas há um mundo homossexual que é tão camionista  e tão labrego como o nosso – e que, ainda por cima, da mesma forma que os miúdos de São Pedro de Alcântara fazem gala da suas cervejas de litro e das suas garrafas com mistela escura, está apaixonado pela sua própria abjecção.


E eu não quero saber se aquilo contra que aqueles rapazes lutam é um anátema ou não. Não quero saber sequer se o mundo homossexual é mesmo mais perverso do que o mundo heterossexual. Não quero saber, aliás, se se trata de homossexuais, de heterossexuais ou do que diabo seja. O que sei é que ver um tipo a explicar ao outro, à frente de uma senhora idosa, que dali a instantes vai fazer-lhe um felatio (não, felatio não é o termo que ele usa), agarrando daqui, puxando dali e repuxando de acolá, dá-me vontade de dar-lhe um murro. E que, mais dia menos dia, é precisamente isso que vou fazer. Depois não digam que não avisei.


CRÓNICA ("Muito Bons Somos Nós"). NS', 22 de Maio  de 2010


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Terça-feira, 18 de Maio de 2010
publicado por JN em 18/5/10



Todos os anos a actualidade televisiva é fraca na segunda metade da Primavera, mas este ano a situação é ainda pior. Exausta após duas semanas a explorar todas as abordagens de que se lembrou sobre Bento XVI, Fátima, a Igreja Católica em geral e os próprios fundamentos do Cristianismo, a televisão portuguesa como que faz agora uma pausa para respirar, enquanto não começa o Mundial de futebol. Estreias, há poucas. Grandes projectos, nenhuns. Apenas os treinos dos rapazes de Carlos Queiroz na Covilhã merecem um vago ar de “operação especial” – e, aliás, só agora, que o plantel começa a completar-se, a palavra “especial” verdadeiramente se justificará.


Tudo bem: Portugal gosta de futebol, ninguém alguma vez esquecerá o que foi aquele divertidíssimo mês de Junho de 2004 – e, não só uma adrenalina assim é fácil de gerir como, apesar de o investimento ser grande (a RTP que o diga), a sua rentabilização a curto, médio e mesmo longo prazo é passível de êxito. Mas não deixa de ficar demasiada coisa nas mãos de Queiroz e do seu fragmentado grupo de jogadores, incluindo portugueses e brasileiros, superestrelas e meros aspirantes, vencedores e derrotados recorrentes: tudo gente que, perante um grupo de qualificação relativamente acessível, apenas in extremis garantiu a presença na África do Sul – e que, ainda por cima, tem como comandante um homem bem menos mobilizador do que era Luiz Felipe Scolari.


O que me parece é que, por esta altura, estará toda a gente a fazer figas para que a campanha não redunde num fracasso. Inclusive aqueles que não têm nenhum tipo de imagens em exclusivo. Aparentemente, nem eles dispõem, por esta altura, de um plano B.


CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 18 de Maio de 2010

Joel Neto


Joel Neto nasceu em Angra do Heroísmo, em 1974, e vive entre o coração de Lisboa e a freguesia rural da Terra Chã, na ilha Terceira. Publicou, entre outros, “O Terceiro Servo” (romance, 2000), “O Citroën Que Escrevia Novelas Mexicanas” (contos, 2002) e “Banda Sonora Para Um Regresso a Casa” (crónicas, 2011). Está traduzido em Inglaterra e na Polónia, editado no Brasil e representado em antologias em Espanha, Itália e Brasil, para além de Portugal. Jornalista de origem, trabalhou na imprensa, na televisão e na rádio, como repórter, editor, autor de conteúdos e apresentador. Hoje, dedica-se sobretudo à crónica e ao comentário, que desenvolve a par da escrita de ficção. O seu novo romance, “Os Sítios Sem Resposta”, sai em Abril de 2012, com chancela da Porto Editora. (saber mais)
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