Terça-feira, 29 de Setembro de 2009
publicado por JN em 29/9/09

É com a política e, aparentemente, é com o jornalismo também. Enquanto se trata de uma coisa mais ou menos lúdica, feita de sondagens, campanhas e notícias avulsas, os portugueses apostam nuns partidos e nuns canais de televisão. Quanto se trata de algo mais a sério, incluindo votos, delegação efectiva dos destinos do país e definição do equilíbrio parlamentar, não só mudam de partido, como acabam por mudar de canal também.


Leitura grosseira? É uma leitura. Por exemplo: desde as eleições Europeias, e incluindo a pré-campanha e a campanha, o Bloco de Esquerda esteve sempre à frente do CDS. Por outro lado, há uma série de anos que, exceptuando as noites eleitorais, a TVI está à frente da RTP. Ora, este domingo, dia de decisões, o BE foi claramente batido pelo CDS, embora tenha aumentado a sua votação absoluta. E a TVI voltou a ser batida pela RTP, embora tenha sido a única a apresentar sondagens exactas.

Haja fair play: são desmandos e curiosidades de um período atípico, vivido ainda por cima numa atmosfera de recessão económica. No fim, só não se percebe porque é que, na RTP, Pedro Magalhães, da Universidade Católica, se pôs a defender tão solenemente a eficácia da sua fracassada sondagem. Aparentemente, e tal como acontece com os partidos, não há fornecedor de sondagens que perca em dia de eleições. Com as televisões é que já não se pode dizer a mesma coisa – e talvez seja essa, na verdade, a sua maior fragilidade.


CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 29 de Setembro de 2009

Domingo, 27 de Setembro de 2009
publicado por JN em 27/9/09

Para a esmagadora maioria das mulheres envolvidas no mundo do golfe, não há dúvidas. “Com todo o respeito por Tom Watson, que quase ganhou o seu sexto British Open aos 59 anos (e depois de substituir uma anca), este, sim, é um dos mais admiráveis feitos da história do jogo”, escreveu a editorialista Stina Stenberg na “Golf Digest Woman”. Tema: a vitória da escocesa Catriona Matthew no Ricoh Women’s British Open do início de Agosto – e que, no meio de dois majors masculinos, dos playoffs da FedEx Cup e da própria Solheim Cup feminina, passou quase despercebida à generalidade dos adeptos.


Terceira mulher, desde 1960 (e a seguir de Nancy Lopez e Julie Inkster), a conquistar um torneio do Grand Slam depois de ser mãe, Catriona conseguiu-o, no entanto, escassa onze semanas após dar à luz a sua segunda criança, Sophie. E, por esta altura, já nem são só as mulheres que exigem o reconhecimento da sua façanha como a maior de 2009. “Eu já escolhi o meu Golfista do Ano, e nada me fará mudar de opinião”, escreveu Lawrence Donegan na “Golf World”. “[A vitória de Catriona Matthew é] A melhor coisa que aconteceu ao golfe feminino deste país [o Reino Unido] desde que Laura Davies declinou. É a melhor coisa que aconteceu ao golfe escocês – feminino ou masculino – desde que Sandy Lyle ganhou o The Masters. E é a melhor história de golfe desde que Tiger venceu o US Open com uma perna partida.”


“Isto é absolutamente extraordinário”, comentou Catriona Matthew, de 39 anos, após o putt que lhe deu o triunfo na 37ª edição do campeonato britânico, disputado este ano no campo do Royal Lytham & St Annes Golf Club, no condado do Lancashire, em Inglaterra. Na segunda jornada da competição, portanto dez semanas e seis dias após o parto de Sophie, Catriona conseguiu aqueles que considera simplesmente os melhores nove buracos da sua vida: 29 pancadas (-7) no back nine, incluindo uma sequência eagle/hole-in-one/birdie. À partida para a última ronda, realizada portanto onze semanas e um dia depois de Sophie nascer, a jogadora escocesa tinha três pancadas de vantagem sobre toda a concorrência. Ainda acabou o dia com 73 (+2), apenas salvando o resultado com três birdies consecutivos (buracos 13, 14 e 15) – mas, então, beneficiou do facto de quase toda a gente ter jogado pior do que nos dias anteriores, em resultado das dificuldades apresentadas pelas condições meteorológicas e pelo complicado setup do campo.

Resultado final: 285 pancadas (-3), três à frente da australiana Karrie Webb, segunda classificada, e quatro da sua companheira de formação, a ultra-irritante norte-americana Christina Kim, que terminou no grupo das terceiras. “Nunca pensei que conseguisse regressar, jogar bem e vencer, tudo de uma vez. Apenas esperava fazer o cut”, comentou a jogadora escocesa, exultante, num momento em que a imprensa lhe atribuía a alcunha de “Supermãe”. Isto foi a 2 de Agosto. A 16 de Maio, Catriona estava uma cama de hospital, gritando de dor, com o corpo deformado e uma criança a sair-lhe das entranhas.

“Um parto pode afectar seriamente as tuas hipóteses de conquistar um lugar nos livros de história do golfe”, diz Lawrence Donegan, que recorreu à experiência da própria esposa (handicap 18) para dedicar a Catriona a sua coluna mensal. “Por um lado, o teu corpo está traumatizado. Por outro, há tanta coisa para fazer quando um bebé chega que tudo o que antes parecia vitalmente importante (…) perde todo o significado.” Na verdade, Catriona tem razões para queixar-se: Sophie teve cólicas durante seis semanas – e durante outras tantas ninguém dormiu lá em casa. Por outro lado, toda a família está concentrada na carreira dela. Incluindo o marido, Graeme, que é o seu caddie – e que, entre o tratamento dos seus tacos e as notas tiradas sobre os diferentes campos que é preciso conhecer para as competições, encontrou sempre forma de conciliar os treinos com a presença de Sophie (e, aliás, também de Katie, a irmã mais velha).

“Não me chamem ‘Supermãe’, que eu não mereço”, diz Catriona. “Na verdade, tenho muita sorte em que o meu marido seja o meu caddie, de forma que estamos ambos quase sempre perto das crianças. De resto, soubemos sempre revezar-nos nas tarefas lá de casa. Na verdade, e mais do que qualquer outra vitória na minha carreira, esta foi completamente resultado de um trabalho de equipa.”

Ouvidos pelas mais diversas publicações internacionais, médicos e fisioterapeutas apontam algumas razões por que uma jogadora de golfe pode tirar partido de uma gravidez, incluindo o rebaixamento do centro de gravidade, com vantagens sensíveis para o equilíbrio do swing, e a quase congestão hormonal, eventualmente vantajosa para a determinação e para a acutilância. Laura Diaz, que teve um filho em 2005, jogou até muito tarde na gravidez, dizendo que se sentia a bater a bola como nunca. Karen Stuples, que teve uma criança em 2007, garantia que ganhara 10 jardas de distância a partir do momento em que engravidara. E Julie Inkster, que ganhou 31 campeonatos em 27 anos, sublinhou sempre que o facto de ter criado duas filhas ao longo desses mesmos 27 anos só a ajudou a concentrar-se no essencial.

E, no entanto, não é à concentração que Catriona Matthew agradece a vitória. É, antes, à capacidade que a gravidez lhe deu para relativizar o jogo. Ainda antes do British Open, a escocesa já conseguira uma posição entre as 30 primeiras classificadas do Evian Masters – e, entretanto, a única coisa que fez foi agarrar-se à sensação de liberdade que a maternidade lhe permitia. “Basicamente, fiquei sem pressão. Ninguém esperava que eu ganhasse – e foi por isso que ganhei”, garante. “Por isso e porque, entre os shots, ia pensando nas minhas crianças, em vez de estar ali obcecada com o jogo. Ajudou-me muito não pensar em ganhar.”

“Foi uma vitória pessoal. Ou uma vitória familiar. Não foi apenas a natureza que a determinou”, reconheceu Andrea Provence, da LPGA, entrevistada pela revista “Women & Golf”. Um estudo recentemente publicado no “Journal Of Labor Research” por David E. Kalist, da Universidade de Shippensburg (Pensilvânia), confirma essa excepcionalidade. “Do ponto de vista estatístico, a produtividade das mulheres [no golfe] depois de elas se tornarem mães aumenta nos anos antes da gravidez e baixa a partir desta”, diz o académico norte-americano. “Mas isso não quer dizer que a baixa de produtividade tenha a ver com razões físicas. Na verdade, pode tratar-se apenas de desprendimento. Pode tratar-se apenas da existência de outras prioridades.”

“O facto é que esta vitória pode fazer muito pelo golfe feminino e pela desmistificação do impacte negativo que uma gravidez pode ter numa jogadora”, volta Andrea Provence. “E, aliás, tanto a nível amador como a nível profissional.” Na mente de todos, naturalmente, está o abandono da competição por parte da super-campeão sueca Annika Sörenstam, que realizou os últimos torneios em 2008, aos 39 anos, para entretanto se dedicar a tempo inteiro à tentativa de ser mãe.

Pois, agora, é precisamente em Catriona que o golfe feminino europeu, desapossado do seu grande ícone desde a reforma da sueca, mais aposta. Primeiro escocesa a conquistar um major, Catriona é também, por esta altura, uma das poucas europeias em grande nível no colossal circuito norte-americano, onde as armadas americana e sul-coreana dominam largamente. A jogadora foi mesmo uma das mais em foco na última Solheim Cup, disputada igualmente depois da sua gravidez. Infelizmente para ela (e para a equipa), os dois pontos que conquistou não foram suficientes para a vitória da Europa.




CATRIONA MATTHEW


NOME: Catriona Isobel Matthew

NASCIMENTO: 25 de Agosto de 1969, em Edimburgo, na Escócia

PROFISSIONAL DESDE: 1995

CIRCUITOS: LPGA Tour (preferencial) e Ladies European Tour

VITÓRIAS COMO PROFISSIONAL: 7

VITÓRIAS EM MAJORS: 1 (Ricoh Women’s British Open 2009)

DESEMPENHO NA SOLHEIM CUP: 6 participações, 2 vitórias


 


FEATURE. J, 27 de Setembro de 2009

tags:
publicado por JN em 27/9/09

1. Há vários problemas em Um Lugar Para Viver, estreado quinta-feira na RTP1. Os aspectos mais formais (realização, genéricos, banda sonora) são um tanto datados. O casting é pouco verosímil (Rui Mendes não parece pai de João Lagarto). O texto é palavroso. E, sobretudo, as interpretações são (como tantas vezes) bastante overacting, impedindo uma passagem subtil da comédia à tragédia (e vice-versa). Mas a proposta tem graça: uma família enorme regressa de França a Portugal, o aparente novo el dorado da Europa – e, entretanto, ameaça passar a vida pelo país a fugir à polícia, com uma avó morta numa arca congeladora, dois primos envolvidos num semi-incesto e um genro francês que fracassa em todas as suas muitas tentativas de suicídio. A ver o que sai dali.


 


2. Sugeria ontem o meu camarada Nuno Azinheira, a propósito dos meus reparos ao facto de a RTP estrear de uma assentada três novos concursos de talentos, que a minha intenção mais profunda era exigir à RTP o cumprimento de um suposto papel de educador. Nada podia estar mais longe das minhas intenções – e, aliás, da forma como vejo a televisão e (de resto) o mundo. Simplesmente, não me esqueço de que qualidade e diversidade são dois princípios centrais na job description do serviço público de TV. Ora, três concursos parecidos parece-me respeitar pouco o da diversidade – e o facto de serem todos de talentos (e tendo em conta a nossa experiência na área) facilmente porá em causa também o da qualidade.


CRÍTICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 27 de Setembro de 2009

Joel Neto


Joel Neto nasceu em Angra do Heroísmo, em 1974, e vive entre o coração de Lisboa e a freguesia rural da Terra Chã, na ilha Terceira. Publicou, entre outros, “O Terceiro Servo” (romance, 2000), “O Citroën Que Escrevia Novelas Mexicanas” (contos, 2002) e “Banda Sonora Para Um Regresso a Casa” (crónicas, 2011). Está traduzido em Inglaterra e na Polónia, editado no Brasil e representado em antologias em Espanha, Itália e Brasil, para além de Portugal. Jornalista de origem, trabalhou na imprensa, na televisão e na rádio, como repórter, editor, autor de conteúdos e apresentador. Hoje, dedica-se sobretudo à crónica e ao comentário, que desenvolve a par da escrita de ficção. O seu novo romance, “Os Sítios Sem Resposta”, sai em Abril de 2012, com chancela da Porto Editora. (saber mais)
pesquisar neste blog
 
arquivos
livros de ficção

"Os Sítios Sem Resposta",
ROMANCE,
Porto Editora,
2012
Saber mais


"O Citroën Que Escrevia
Novelas Mexicanas",
CONTOS,
Editorial Presença,
2002
Saber mais
Comprar aqui


"O Terceiro Servo"
ROMANCE,
Editorial Presença,
2002
Saber mais
Comprar aqui
outros livros

Bíblia do Golfe
DIVULGAÇÃO,
Prime Books
2011
Saber mais
Comprar aqui


"Banda Sonora Para
Um Regresso a Casa
CRÓNICAS,
Porto Editora,
2011
Saber mais
Comprar aqui


"Crónica de Ouro
do Futebol Português",
OBRA COLECTIVA,
Círculo de Leitores,
2008
Saber mais
Comprar aqui


"Todos Nascemos Benfiquistas
(Mas Depois Alguns Crescem)",
CRÓNICAS,
Esfera dos Livros,
2007
Saber mais
Comprar aqui


"José Mourinho, O Vencedor",
BIOGRAFIA,
Publicações Dom Quixote,
2004
Saber mais
Comprar aqui


"Al-Jazeera, Meu Amor",
CRÓNICAS,
Editorial Prefácio
2003
Saber mais
Comprar aqui