Há algo de constrangedor nisto de chegar ao século XXI e encontrar o wrestling a viver um dos seus melhores períodos de sempre. Como desporto, é uma tontice: uma abrutalhada coreografia levada a cabo por uma série de orangotangos que fingem andar à pancada, enquanto se esforçam por cumprir o plano onde se definiu quem ganha, quem perde e quantas bofetadas leva cada um. Como espectáculo, é pior ainda: uma paupérrima encenação protagonizada por uma série de péssimos actores incapazes de convencer quem quer que seja da autenticidade da sua luta.
E, no entanto, aí está ele, tão pujante como nos tempos de Tarzan Taborda: salas cheias, público delirante, mega produções, transmissão para os quatro cantos do mundo (incluindo Portugal, via Eurosport 2 e SporTV 3). Por causa da pancadaria? Em parte. Mas também, provavelmente, por causa da personalização de que foi alvo. Quem quer que vivesse na ilha Terceira dos anos 80 se lembra de ver wrestling no canal americano. Ora, nos anos 80, década de “A Fogueira das Vaidades, todos os lutadores eram máquinas (exactamente como os yuppies). Hoje, década de “Eu Sou a Charlote Simmons”, é tudo pessoal: todos os lutadores têm contas a ajustar com toda a gente – e as entrevistas, as conferências de imprensa e as apresentações dos combates são mais importantes do que a própria luta.
A única forma de explicar o wrestling é como um sinal dos tempos. E depois varrer tudo para debaixo do tapete.
CRÍTICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 31 de Julho de 2009
O episódio gerado estes dias em torno de José Augusto Marques e Jorge Baptista, narrador e comentador destacados pela SIC para o Benfica-Atlético de Madrid da semana passada, é deplorável. Deplorável, em parte, pela substância: tanto um como outro deixam clara a inveja em relação ao protagonismo de João Malheiro. E deplorável, no resto, pela própria existência do caso, originado pela vingança daqueles que decidiram defender Malheiro através da exposição pública de uma conversa privada.
Os palavrões não interessam. O marialvismo ainda menos. Onde quer que haja dois homens sozinhos e duas loiras desfilando em frente, as possibilidades de haver marialvismo e palavrões são grandes (em todas as actividades, em todas as classes sociais, em todas as idades). O que esta história nos mostra, principalmente, é que o YouTube precisa de regulação. E que, enquanto ninguém o regular, crimes como este (o da exposição de uma conversa privada, entre outros) continuarão a ser praticados todos os dias um pouco por todo o mundo.
De resto, apenas ficámos a saber que, entre os jornalistas que acompanham o futebol, grassam a inveja para com qualquer esboço de êxito por parte de outros e o ressentimento para com as condições de trabalho de que se dispõe. O que seria novidade se não fosse assim entre os restantes jornalistas também. E, aliás, entre os advogados, os médicos, os ladrilhadores e as lavadeiras do rio.
CRÍTICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 29 de Julho de 2009
Se uma coisa foi decisiva para a consagração de Friends como a mais longa sitcom de sempre, com dez imensas temporadas (e reposições que duram até hoje), foi o facto de os seis actores principais se terem efectivamente tornado amigos. Ainda há dias um documentário do canal E! o mostrava: tornando-se amigos, David Schwimmer, Jennifer Aniston, Matthew Perry, Courteney Cox, Lisa Kudrow e Matt LeBlanc conseguiram pressionar a NBC a pagar-lhes o que mereciam e, ao mesmo tempo, transportar para o ecrã uma química talvez nunca antes (ou depois) vista em televisão.
A norte-americana TV Guide considerou-a a segunda melhor série de TV de sempre, atrás apenas de Seinfeld. Tontice: Friends foi sempre melhor do que Seinfeld. Por uma razão simples: embora fosse Seinfeld a reclamá-lo, era em Friends que personagens e actores se confundiam. As histórias, no fundo, eram o menos. Como Rachel, Jennifer Aniston era tão superficial que casou com Brad Pitt. Como Monica, Courteney Cox era tão casadoira que, quando se uniu a David Arquette, passou a assinar Courteney Cox Arquette. Como Chandler, Matthew Perry era tão dado a vícios que chegou a andar em reabilitação. Como Joey, Matt LeBlanc era tão falhado como actor que o spin off baseado na sua personagem, Joey, acabou cancelado.
Nestes tempos sem chama, voltar a ver Friends (Sony Entertainment) é um dos poucos programas que apetece. Até porque, se há uma coisa essencial entre amigos, é a eterna repetição das histórias do passado.
CRÍTICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 27 de Julho de 2009