Sempre que vos escrevo da Terra Chã é isto: olho para Lisboa, para as convençõezinhas urbanas que ela tão acefalamente importa e para o empenho com que consegue depois plantá-las em cada recanto da província – e rio-me. Rio-me muito – e rio-me muitas vezes. Por exemplo: esta moda revivalista dos eighties. Lá fora, Rambo e Indiana Jones estão de volta, Michael Jackson relança “Thriller” com um feature especial de Will.I.Am, Kim Wilde, Rick Astley e as Bananarama reúnem-se para animar umas festas de casamento em ponto grande, Madonna junta sucessivas categorias à sua arte de cantora, fazendo-se escritora, argumentista, produtora, cineasta. Cá dentro, já não há festa de amigos sob outro signo que não o dos anos 80, nenhum jornal dispensa o seu cronista oficial sobre o “Verão Azul”, o Spectrum 48K e as injecções contra o tétano, marca alguma de roupa consegue resistir a uma prateleira especial para vestir as mulheres de fato e gravata lassa – e adolescentes de todos os extractos sociais e geografias aprendem a suspirar “Ai, os deliciosos anos 80…” da mesma forma mimética como, há vinte anos, nós suspirávamos “Ai, os anos 60, os deliciosos anos 60…” sem que alguma vez tivéssemos posto os pés nos anos 60 ou sequer perto deles.
E eu rio-me. Que os anos 80 tiveram méritos, sei-o bem. Todas as décadas os tiveram. Foi nos anos 80 que se mundializou a democracia e nasceram os computadores. Foi nos anos 80 que pela primeira vez olhámos para o imperativo de deixar de fumar e a necessidade de proteger o planeta. Foi nos anos 80 que se criou o VHS e todos os principais suportes de uma cultura popular e plural. Foi nos anos 80 que se produziu o “Back To The Future”, o “Tom Sawyer” e o “Dartacão”. Tudo isso é belo, tudo isso saudoso. Mas também foi nos anos 80 que se inventou a MTV e a televisão industrial para crianças. Foi nos anos 80 que nasceram os yuppies, o politicamente correcto e o próprio conceito de mainstream. Foi nos anos 80 que se descobriu a sida e se disseminou a droga. Foi nos anos 80 que se canonizou Van Halen e se fundou uma religião em torno dos pirosíssimos U2. Foi nos anos 80 que se produziu o “Automan”, o “A Team” e o “Caça-Polícias”. E eu, que sou um filho dos anos 80, não penso que restem neles suficiente cor para este culto. É claro que, se faço um zapping pelo Hollywood e me deparo com o “Caça-Polícias”, facilmente me vem uma lágrima ao olho. Com a idade, dei em comover-me mais. Mas, caramba: os anos 80 são a década dos penteados em cimento armado, das jaquetas com cotoveleiras e enchumaços e dos maiores solos de guitarra eléctrica da já demasiado longa história da guitarra eléctrica. São seguramente, e para dizer o menos, uma década de mau gosto. Revisitá-los de vez em quando, por razões sentimentais, como guilty pleasure, como tributo ao kitsch, é saudável. Cultivá-los assim, sem uma ponta de ironia, uma tolice.
Ou um sinal de cobardia. Querem uma análise séria, daquelas tipo sociólogo-de-serviço-intervém-em-revista-b
CRÓNICA ("Muito Bons Somos Nós"). NS', 1 de Março de 2008