Há um momento divertido no último As Escolhas de Marcelo Rebelo de Sousa (RTP1), que domingo se despediu a partir da Madeira. Marcelo e Maria Flor Pedroso estão no hall de entrada do Teatro Baltazar Dias (um cenário lindíssimo, aliás), quando, ao chegarem aos últimos dois minutos de programa, põem em prática a rábula combinada: a troca de elogios e a oferta à jornalista, pelo comentador, de um antúrio.
Quando o professor se levanta, traz a perneira esquerda arregaçada, em resultado do excesso de conforto com que se sentara durante o programa – e levá-la-á arregaçada até à rua, inclusive até que a sua imagem se desvaneça na bruma, ao jeito de Lucky Luke. Entretanto, porém, não “oferecera” a flor à apresentadora. “Dispensara-lho”, largando-lha para cima como quem despacha um assunto já velho e olha em volta: “Venham mais e melhores!”
Sinal de vitalidade, claro – e sinal, de resto, de uma auto-confiança justificadíssima. Mas a verdade é que a próxima tarefa do comentador não é fácil. Porque ele sabe que, se pretende mesmo capitalizar estes dez anos (na altura serão quinze) de principesca exposição em sede de candidatura a Belém, o projecto a executar agora tem de ser tão criteriosamente seleccionado como o espaço em que será executado. Dito de outra forma, é talvez ainda mais importante agora “o que” Marcelo vai fazer do que “onde” o fará.
Que toda a gente o queria, não duvido. Se o seu novo empregador estará à altura das exigências da sua agenda, sabendo protegê-la (até porque o objectivo interessa a ambos) sem permitir que ela se desmorone por revelar-se demasiado óbvia, já é outra coisa. Em todo o caso, o excesso de conforto acabou.
CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 2 de Março de 2010