Terça-feira, 20 de Outubro de 2009
publicado por JN em 20/10/09

Quem ontem quisesse encontrar um jornalista de golfe, terminado que estava o III Portugal Masters, não precisava procurar muito: bastava dar uma volta pelo campo do Oceânico Victoria e localizar os homens e as mulheres que, ajoelhados no chão e de mãos erguidas aos céus (vocês sabem, tipo “Platoon”), gritavam “Mas porquê, meu Deus, porquê?”, como se efectivamente Deus não tivesse mais nada que fazer senão assistir à tragicomédia que eles ali encenavam. Todos os anos somos chamados a experimentar o campo com o setup da quarta ronda do Masters – e ainda bem. Depois de quatro dias de judicioso discurso sobre o torneio e os seus jogadores, sobre quem está a jogar bem e quem está a jogar mal, a lição anual de humildade assenta-nos bem. Mas também é como se todos os anos a aprendêssemos de novo, depois de a termos bloqueado na memória para evitar ceder de vez à depressão.


São seis longas horas em campo – às vezes até mais. Algumas das marcas Championship são tão mais longas do que as vulgares Amarelas que chega a ocorrer-nos bater primeiro um ferro 7 para o tee seguinte – e só então começar a jogar o buraco de forma “normal”; alguns carries sobre os lagos são tão compridos que, na verdade, e sobretudo em tempos de crise, há quem vá passar férias para mais perto. Este ano perderam-se menos bolas no rough, em virtude do corte suplementar com que o Oceânico Victoria partiu de encontro à pretensão de alguns dos participantes na edição 2008 do Masters, mas por outro lado os triplos putts foram muitíssimos mais, em resultado da maior lentidão (e de uma certa assimetria) dos greens. Resultado: desespero, lamúria – e, claro, muito pouco triunfo.

E, no entanto, chegados a um par 4 de 420 metros, nenhum de nós faz um lay up, nenhum de nós bate deliberadamente para bogey, nenhum de nós joga para os pontos: todos tentamos atingir o green in regulations, garantir os dois putts da ordem e, entretanto, tentar o birdie. E nada disso acontece, bem vistas as coisas, porque somos jornalistas: acontece porque somos golfistas – e porque, em vez de imitar o veterano que ganha os torneios lá no home club a gerir o campo de forma inteligente, um golfista quer sobretudo é imitar a forma como Lee Westwood joga. “É a vitória da esperança sobre a experiência”, chamava Samuel Johnson ao segundo casamento. Pois o golfe é isso: um casamento diferente a cada buraco – e qualquer um deles, à partida, destinado a durar para sempre. Valerá a pena, entretanto, viver com medo de nos partirem o coração?


ESPECIAL III PORTUGAL MASTERS. O Jogo, 20 de Outubro de 2009

Segunda-feira, 19 de Outubro de 2009
publicado por JN em 19/10/09

Quem estava ao fim da tarde de ontem no green do buraco 17, na linha da frente do corredor que foi preciso improvisar para Lee Westwood bater o shot do torneio, só podia ficar com a impressão de que este III Portugal Masters fora um sucesso. E o facto é que o foi mesmo. Ao melhor field de sempre correspondeu a melhor assistência da história. À brilhante competitividade entre os da frente correspondeu ampla cobertura nos media nacionais e internacionais. E à grande vitória de um dos jogadores que mais prestígio davam ao torneio que ganhassem (Lee Westwood, uma referência do golfe mundial, ainda por cima inglês) há-de corresponder agora, de certeza absoluta, um drástico aumento da notoriedade do Masters português entre os adeptos de golfe de todo o mundo.


E, no entanto, foi Frederico Costa, vice-presidente do Turismo de Portugal, a entregar o troféu. Ao contrário dos dois primeiros anos, em que fora o próprio ministro da Economia (Manuel Pinho) a abrilhantar o momento, nem um só membro do Governo dispôs este ano de suficiente disponibilidade (ou agilidade) de agenda para deslocar-se ao Algarve. Por um lado, é preciso compreendê-lo: depois de um ciclo eleitoral longo de mais, Portugal está, na prática, sem Executivo. Por outro, é importante deixá-lo claro: o golfe nacional, definido até 2015 como um produto estratégico para o sector do turismo (ele próprio uma área estratégica para a economia nacional), vive um momento de charneira, com desafios que exigem um envolvimento institucional claro da parte das diferentes tutelas do sector.

Um desses desafios é a prometida candidatura à organização da Ryder Cup 2018, projecto da Federação Portuguesa de Golfe que poderá representar, a médio prazo, um importante catalisador para a indústria de golfe nacional (e não só). Portugal é igualmente pré-candidato à recepção do Campeonato do Mundo de futebol desse mesmo ano – e, sendo a sobreposição geográfica e temporal das duas provas impossível, de acordo com os critérios da Ryder Cup, o Governo tem desde já, e com urgência, uma tarefa a desempenhar: a concertação entre as federações das duas modalidades, seja para a apresentação de duas candidaturas simultâneas (embora autónomas), seja para a desistência de uma em benefício da outra. Os prazos começam a apertar – e, neste momento, nem sequer é urgente saber quem serão os ministros e os secretários de Estado: já começa a ser urgente que estejam todos no exercício pleno das suas novas (ou velhas) funções.


ESPECIAL III PORTUGAL MASTERS. O Jogo, 19 de Outubro de 2009

Domingo, 18 de Outubro de 2009
publicado por JN em 18/10/09

“É a quinta vez que jogo. Nos momentos livres, o golfe ajuda muito”, disse quarta-feira Nelson Évora, um dos campeões olímpicos convidados a assistir ao lançamento do Portugal Masters – e desde então essa frase anda a martelar-me na cabeça. Se ele tivesse tido o mínimo de má intenção, a pergunta que eu lhe colocaria era: “O que pensaria você, Nelson, se Filipe Lima lhe dissesse que já tinha saltado cinco vezes – e que, nos momentos livres, o triplo salto o ajudava muito?” Como sei que não teve, vou apenas tentar mostrar-lhe por é que, parecendo inofensiva, a sua frase é perigosa.


Nascido há mais de 250 anos, o golfe viveu dois séculos sob uma série de sucessivos anátemas. Começou por ser um jogo da plebe que a aristocracia pretendia proibir, de forma a impedir o desperdício da força de trabalho; passou a ser um jogo da aristocracia que muito agradaria a boa parte da plebe exterminar, de forma a vingar a sua subalternidade; e, entretanto, foi muito tempo também um jogo em que os gordos, os fumadores e até os preguiçosos podiam vencer. Hoje, não é bem assim. Ainda tem gordos, mas no basquetebol também os há muitos; ainda tem fumadores, mas no futebol também os há imensos – e, se tem preguiçosos, pois todas as modalidades os têm.

De resto, é um desporto a viver um dos melhores momentos de sempre, com cada vez menos espartilhos classistas. Por causa da sua meritocracia, mas também porque os grandes jogadores são cada vez mais verdadeiras máquinas, em resultado do treino físico e da exigência atlética a que são submetidos. E é (também) por isso que o golfe acaba de ser aceite de novo como modalidade olímpica: porque, para praticá-lo bem, já não basta chegar “mais alto” e ir “mais longe” – é preciso ser “mais forte” também. Ainda no outro dia Retief Goosen o dizia, explicando a actual inconstância dos jogadores sul-africanos: “O swing clássico já não chega. Temos de endurecê-lo. E é nisso que tenho vindo a trabalhar.” Já não basta ter técnica, pois: é precisa energia e é precisa tensão.

Ao dizer que “nos momentos livres, o golfe ajuda muito”, Nelson Évora vai de encontro àquilo que muitos amadores tiram do golfe: prazer e evasão. Mas está também, como faz tanta gente, a reduzi-lo a isso: a um passatempo saudável. E muito me agradaria se, treinando um pouquinho mais de cinco vezes ao longo dos próximos doze meses, ele pudesse juntar-se a nós no Pro-Press de 2010. Tenho a certeza de que perceberia, enfim, a extrema competitividade deste jogo maravilhoso.


ESPECIAL III PORTUGAL MASTERS. O Jogo, 18 de Outubro de 2009

Joel Neto


Joel Neto nasceu em Angra do Heroísmo, em 1974, e vive entre o coração de Lisboa e a freguesia rural da Terra Chã, na ilha Terceira. Publicou, entre outros, “O Terceiro Servo” (romance, 2000), “O Citroën Que Escrevia Novelas Mexicanas” (contos, 2002) e “Banda Sonora Para Um Regresso a Casa” (crónicas, 2011). Está traduzido em Inglaterra e na Polónia, editado no Brasil e representado em antologias em Espanha, Itália e Brasil, para além de Portugal. Jornalista de origem, trabalhou na imprensa, na televisão e na rádio, como repórter, editor, autor de conteúdos e apresentador. Hoje, dedica-se sobretudo à crónica e ao comentário, que desenvolve a par da escrita de ficção. O seu novo romance, “Os Sítios Sem Resposta”, sai em Abril de 2012, com chancela da Porto Editora. (saber mais)
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