Segunda-feira, 12 de Abril de 2010
publicado por JN em 12/4/10



No fim, Filipe Lima não esteve bem. Nenhum problema em especial nisso, claro. O golfe é assim mesmo: hoje joga-se bem e amanhã terrivelmente – e o mais importante é estar alerta o suficiente para, quando o “momentum” chegar (e mesmo que ele demore um, dois, cinco, dez anos), se conseguir agarrá-lo. Filipe Lima está nessa fase: fazendo o seu trabalho e, entretanto, esperando o “click”. Para além disso, tem 28 anos, encontrando-se portanto a pelo menos uns cinco ou seis da maturidade enquanto golfista, que como se sabe costuma ocorrer na segunda metade casa dos 30. Nada de grave, pois.


Mas o facto é que, entre todos os 156 jogadores que alinharam à partida neste Madeira Islands Open, Lima era o terceiro mais bem classificado no ranking mundial – e uma 55ª posição final fica, naturalmente, aquém das expectativas, tanto as do próprio jogador como as do público que acorreu ao Porto Santo para revê-lo em acção na primeira divisão europeia. E, salvaguardadas as compreensíveis dificuldades de expressão em português por parte de quem nasceu, cresceu e vive fundamentalmente em França, talvez não fosse aconselhável Filipe ter sugerido, na conferência de imprensa final, que a dimensão da derrota corresponde apenas à dimensão do torneio, o segundo com menor prize money no calendário 2010 do European Tour.


Por causa de Portugal e do convite da Federação Portuguesa de Golfe para jogar com as cores portuguesas, Filipe Lima tem hoje uma dimensão mediática (e não só) com que muitos jogadores franceses da sua idade e do seu nível não podem sonhar. Muito bem saberia a tantos deles terem nascido filhos de portugueses, de gregos, de cipriotas ou de cidadãos de qualquer outro país virtualmente sem golfe de alta competição, podendo com isso passar de anónimos golfistas franceses a principais representantes da modalidade desse (e nesse) país. E, nesse sentido, é importante que Filipe integre que, tendo muito a provar a si próprio, não deixa de ter também alguma coisa a provar aos adeptos portugueses.


Até consegui-lo, é natural que a pressão vai aumentando lentamente, tanto da parte dos media como da parte do público. Boas notícias para ele, apesar de tudo: antes assim do que não haver pressão nenhuma. É sinal de que estamos vivos e ainda esperneamos.


COMENTÁRIO (especial Madeira Islands Open). O Jogo, 12 de Abril de 2009

Domingo, 11 de Abril de 2010
publicado por JN em 11/4/10

Ontem de manhã havia vários voos do Porto Santo e da Madeira para os mais variados destinos – e neles, naturalmente, viajavam muitos dos jogadores que falharam o cut neste Madeira Islands Open. O ambiente era de alguma consternação. Para muitos dos profissionais presentes esta semana no arquipélago, o torneio madeirense é uma oportunidade de ouro: por um lado, tem um field limitado, mais acessível do que o normal; por outro, oferece uma isenção de um ano para a primeira divisão do circuito europeu, para além de um prémio monetário razoável.


Pois, à excepção de eventuais verbas negociadas com patrocinadores, nenhum dos 87 jogadores que falharam a qualificação para o fim-de-semana ganhou um tostão. Tudo não passou de prejuízo, no fundo: as viagens e as estadias, os materiais e os caddies, os snack e os próprios souvenirs. O que é especialmente grave nesta categoria de jogador, note-se. Alguns facturam tão pouco que têm de dividir o quarto com adversários. E outros preferem até ficar num apartamento, de forma a poderem ir ao supermercado comprar um frango grelhado para o jantar.


Foi por isso que me encantou aquela imagem, pois. Eram nove horas da manhã e os derrotados começavam a amontoar-se em frente Hotel Pestana, à espera do autocarro para o aeroporto. Até que, conferidos os minutos que ainda tinha de espera e o espelho que se formava na fachada do hotel pela existência de um vidro sobre fundo escuro, um deles voltou a abrir o saco dos tacos – e de imediato os restantes o imitaram, mergulhando no ensaio de sucessivos swings ao espelho, conferindo cada um deles um aspecto diferente do respectivo movimento e preocupando-se todos com a identificação do defeito que os mandara mais cedo para casa.


O golfe, já se sabe, é uma obsessão. Mas é também, ou mesmo sobretudo, trabalho. E o que nos mostram uma série de derrotados a ensaiar swings ao espelho, enquanto esperam pelo autocarro que os levará para longe do cenário do seu fracasso, são duas coisas. A primeira é que qualquer golfista, logo após a derrota, é corroído interiormente pelo desejo de voltar para cima do cavalo o mais depressa possível. A segunda é que a forma como sobe para cima do cavalo é de novo laboriosa, em mais um tributo desta maravilhosa modalidade à vontade indómita, à dedicação e ao mérito. É possível não gostar de um jogo assim?


COMENTÁRIO (especial Madeira Islands Open). O Jogo, 11 de Abril de 2009

Sábado, 10 de Abril de 2010
publicado por JN em 10/4/10

Não sei exactamente em que buraco Filipe Lima puxou ontem do primeiro cigarro. Assisti apenas a uma parte da ronda realizada pelo jogador português e, tenha isso sido por virtude de concentração ou por defeito de vício próprio, nem sequer me apercebi de que o jogador fumara. Mas alguns espectadores reunidos em frente à club-house do Porto Santo mostravam-se, ao final da tarde, um tanto chocados com o facto de terem avistado Lima puxando uma fumaça algures junto ao fairway do buraco 10 – e eu só posso imaginar que seja por desconhecimento da modalidade.

O Madeira Islands Open não é apenas mais um torneio do European Tour. Do prize money que oferece ao field que reúne, tem uma série de especificidades que o tornam, simultânea e um tanto paradoxalmente, mais modesto e mais competitivo do que uma série de outros torneios europeus. Mas, sobretudo, o golfe não é apenas mais uma modalidade desportiva. Jogado a cada dia durante (pelo menos) quatro longuíssimas horas, exige uma concentração inatacável, tentando-a entretanto com uma série de períodos mortos durante os quais o cérebro humano sente o quase incontrolável impulso de visitar os seus fantasmas.


Fumar não é a melhor solução, naturalmente. Fumar – reconhece-o sem reticências um daqueles fumadores que, como os alcoólicos, permanecerão fumadores mesmo quando conseguirem vencer a intermitência da decisão de parar – faz mal, mesmo muito mal. Mas na ausência de um psicólogo, como costuma sublinhar o multi-campeão argentino Ángel Cabrera, pode ajudar (e, nalguns casos, ajuda) no combate à ansiedade. De resto, e se foi no 10 que Lima efectivamente fumou, talvez se deva bendizer esse cigarro. Porque foi precisamente no buraco a seguir que o português começou a conter a hemorragia que chegou a ameaçar levá-lo do primeiro lugar à exclusão para as jornadas do fim-de-semana.


Há momentos na vida em que, como diz Wooy Allen, o importante é encontrar “o que quer que funcione” (ou “whatever works”). Passar um cut no European Tour pode muito bem ser um desses momentos. E agora, por favor, Filipe, macinho guardado até ao buraco 10 de amanhã.


COMENTÁRIO (especial Madeira Islands Open). O Jogo, 10 de Abril de 2009

Joel Neto


Joel Neto nasceu em Angra do Heroísmo, em 1974, e vive entre o coração de Lisboa e a freguesia rural da Terra Chã, na ilha Terceira. Publicou, entre outros, “O Terceiro Servo” (romance, 2000), “O Citroën Que Escrevia Novelas Mexicanas” (contos, 2002) e “Banda Sonora Para Um Regresso a Casa” (crónicas, 2011). Está traduzido em Inglaterra e na Polónia, editado no Brasil e representado em antologias em Espanha, Itália e Brasil, para além de Portugal. Jornalista de origem, trabalhou na imprensa, na televisão e na rádio, como repórter, editor, autor de conteúdos e apresentador. Hoje, dedica-se sobretudo à crónica e ao comentário, que desenvolve a par da escrita de ficção. O seu novo romance, “Os Sítios Sem Resposta”, sai em Abril de 2012, com chancela da Porto Editora. (saber mais)
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