Sexta-feira, 30 de Abril de 2010
publicado por JN em 30/4/10



1.
O ponto a que chegámos é este: constatamos a vitória do Sp. Braga na Figueira da Foz, vemos os benfiquistas a desmontar a iconografia reunida para a festa antecipada, lembramo-nos de que ainda falta ao inimigo ir ao Estádio do Dragão – e, dentro de nós, algo como que treme. Se o Benfica perder na Invicta e o Sp. Braga vencer o P. Ferreira, então a equipa de Jorge Jesus chega à última jornada com a obrigação de pontuar perante um Rio Ave tranquilo, livre para jogar o jogo-pelo-jogo e urgente de deixar uma marca pessoal neste campeonato.


E, por muito prazer que me dê ver a benficagem lidar com essa derradeira vertigem, a verdade é que fui assaltado esta semana por um sentimento nunca antes experimentado: o medo de que o Benfica não ganhe agora o campeonato. Eu podia brincar: “Digo-o apenas por causa da crise, da revitalização da economia e da própria retoma, para a qual parece que as vitórias do Benfica contribuem.” Mas não. A verdade é que o Benfica não foi apenas a melhor equipa deste campeonato: foi o que clube que mais bem trabalhou – e é mesmo pena que a sua vitória acabe levemente manchada pelas tropelias nos túneis, pelos desmandos da Comissão Disciplinar e até pela simples incompetência da arbitragem nacional.


Escrevi, antes do arranque da temporada, que Jorge Jesus não teria unhas para aquele leque de jogadores – e que os problemas no balneário tornariam inevitável o desabamento do sonho. Estava enganado. Eis-me aqui, a dar a mão à palmatória. O resto é lúdico, não mais. Das coisas mais importantes do mundo, o futebol é a menos importante. E há alguns benfiquistas de quem eu até gosto.


 


2. Não sei o que é mais desconcertante: se tentar decifrar esses inusitados critérios que levam a FIFA a colocar Portugal no terceiro lugar do ranking mundial de selecções, se assistir à vaidade de Queiroz reclamando méritos no “bom trabalho” que levou a essa posição.  Em todo o caso, o ranking está aí – e agora é preciso lidar com as expectativas adicionais que ele traz.


A fase final de um Mundial é uma competição sui generis, em que de facto tudo pode acontecer. Por esta altura, porém, é muito difícil acreditar que Portugal possa sequer aspirar um lugar nas meias-finais, à medida do seu ranking. A própria qualificação, não nos esqueçamos, foi uma surpresa para muitos. E, se nos faltam jogadores em lugares chave, o que dizer do chamado “fio de jogo”?


Parecem-me demasiados problemas para resolver em tão pouco tempo. Entretanto, porém, não se esqueçam: eu sou do Sporting – que outra esperança podia ter, em relação a esta temporada, para além de divertir-me tanto em Junho quanto me diverti durante o Euro 2004, o Mundial de 2006 ou o Euro 2008? Que viva Portugal, pois.


 


3. Pena tenho eu, aliás, que os jogadores do Sporting não pensem da mesma maneira. Quem vê o Sporting em campo, arrastando-se penosamente até que, enfim, se conclua o campeonato, não pode acreditar que aqueles jogadores sequer com o Mundial se preocupem. Os que têm a convocação garantida repousam sobre essa garantia. Os que ainda podiam aspirar a ela simplesmente desinteressaram-se.


Há algo de profundamente deprimente nisto. Não se deixem enganar: o Sporting vive provavelmente o pior momento de toda a sua história centenária. E, entretanto, temos Costinha nos mercados dos antigos “países de Leste”, precisamente aquele que mais jogadores problemáticos nos tem dado, à procura de reforços. C’est la folie.


CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 30 de Abril de 2010

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Joel Neto


Joel Neto nasceu em Angra do Heroísmo, em 1974, e vive entre o coração de Lisboa e a freguesia rural da Terra Chã, na ilha Terceira. Publicou, entre outros, “O Terceiro Servo” (romance, 2000), “O Citroën Que Escrevia Novelas Mexicanas” (contos, 2002) e “Banda Sonora Para Um Regresso a Casa” (crónicas, 2011). Está traduzido em Inglaterra e na Polónia, editado no Brasil e representado em antologias em Espanha, Itália e Brasil, para além de Portugal. Jornalista de origem, trabalhou na imprensa, na televisão e na rádio, como repórter, editor, autor de conteúdos e apresentador. Hoje, dedica-se sobretudo à crónica e ao comentário, que desenvolve a par da escrita de ficção. O seu novo romance, “Os Sítios Sem Resposta”, sai em Abril de 2012, com chancela da Porto Editora. (saber mais)
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