Estranha a psicologia, a destes rapazes: Carlos Carvalhal diz-lhes que não se trata do jogo do tudo ou nada, à revelia de tudo aquilo que é verdade e de tudo aquilo que parecia sensato dizer – e de repente lá vão eles, em alta velocidade, fintando como quase nunca fintaram esta temporada, passando como não passavam há que tempos, correndo como já nem nos lembrávamos que corriam e arrancando, enfim, uma das melhores exibições (se não a melhor) de toda a época. Decididamente, eu nunca vou perceber esta equipa. E embora me pareça, por esta altura, que isso diz mais sobre ela do que sobre mim, agradeço humildemente esta alegria, por muito fugaz que seja – e comprometo-me desde já a deixar-me embalar pelo seu perfume até que não reste um só vestígio de odor.
Naturalmente, e no momento em que estamos da nossa sofrida existência, há vitórias que são perigosas – e nós temos já suficiente experiência em entusiasmos acelerados para nos deixarmos iludir de novo. Pode perguntar-se: mas tipos que jogam assim uma vez não podiam fazê-lo 30 vezes seguidas – e não seriam, com isso, suficientes para garantir uma candidatura “de facto” ao título de campeão nacional em 2010-2011? A resposta é clara: não. Se o Sporting jogou como jogou ontem, foi por uma de duas razões: ou porque Carlos Carvalhal aliviou a pressão aos jogadores, dizendo-lhes que o jogo não era de vida ou de morte; ou porque se tratava da última prova através da qual ainda podíamos dar um mínimo de dignidade à temporada. Ora, essas são condições que o Sporting nunca terá num ano vencedor. A pressão tem de existir sempre – e mal de nós todos se nos virmos novamente com uma qualificação para os oitavos-de-final da “Liga de Honra” europeia como última possibilidade de salvação da época.
Feliz ou infelizmente, está aí novo jogo com o FC Porto, para nos ajudar a recolocar as coisas em perspectiva. Pois o mínimo que nós podemos pedir, agora, é uma vitória. Uma vitória que signifique que, apesar do gosto com que nos vão redigindo os epitáfios, o Sporting ainda não está morto. Uma vitória que signifique que, apesar da extensão do fracasso, ainda houve neste campeonato alguma coisa que influenciámos. Uma vitória que signifique, aliás, que, mesmo fundamentalmente inúteis, estes jogadores têm dimensão suficiente para pelo menos tentar vender cara a necessária dispensa. Será o Benfica a ganhar o campeonato, nesse caso? Pois, meus amigos, se continuamos a respirar todos os dias – e a levantar-nos para trabalhar e a fazer a higiene matinal e a alimentar-nos o menos mal possível e a resistir à enorme tentação de terminar o dia num café esconso a encher a cara, como dizem os brasileiros – é porque há muito fizemos as pazes com essa inevitabilidade. De resto, a Terra continuará a girar, as águas a correr debaixo das pontes e as gerações a renovar-se. Talvez ainda haja tempo para evitar a extinção, no fundo. “Talvez” – eis o que uma simples vitória já é capaz de fazer pela nossa psique.
PS: a contratação de Costinha como novo director de futebol do Sporting deixa-nos, aparentemente, sem palavras. É uma sensação quase desconhecida para nós, sportinguistas: simplesmente ninguém parece saber o que dizer. E o mais provável é que também isso signifique mais sobre a dita contratação do que sobre nós.
CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 26 de Fevereiro de 2010