Sempre desconfiei da música cómica, sobretudo se tocada em tom nonsense – e que alguém algum dia chame “música” ao teatro musical (concedamos que se trata disso) dos Irmãos Catita ou de algum dos seus sucedâneos, Cebola Mol incluídos, é coisa que jamais deixou de provocar-me estranheza. De mesma forma que há escritores e “gente que escreve”, o que está longe de ser a mesma coisa, há músicos e “gente que toca” (ou canta). Os livros de quem escreve são livros, sim – mas nunca literatura. Os discos de quem toca são discos, sim – mas nunca música.
Pois os mesmos eufemismos se aplicarão a dois terços (ou três quatros, ou quatro quintos) dos temas candidatos ao Festival da Canção, incluindo os deste ano. Quem acompanha o velho certame da RTP, aliás, já não o faz sequer para ouvir música: fá-lo para assistir à festa, para ver os vestidos das raparigas, quando muito para accionar dentro de si próprio campainhas que evocam outros tempos. Se o faz no intuito de ouvir música, isso já diz mais sobre a limitação do seu entendimento do que sobre as potencialidades dos temas a concurso. E não me digam que gostos não se discutem, por favor: tirando exercê-los, não há mesmo nada melhor para fazer com os gostos do que discuti-los.
Isto para dizer que a exclusão dos Homens da Luta do Festival RTP da Canção, baseada numa tecnicalidade rebuscadíssima (a canção já teria sido ouvida em público, como de resto todas as canções cujos compositores testaram na família, nos amigos ou num grupo de editores), é um absurdo. Na verdade, os Homens da Luta tinham lugar no Festival. Lá está: é uma festa, não um tributo à música – e a própria festa, aliás, já precisava de alguma animação.
CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 24 de Janeiro de 2010